JP Descomplica: Entenda os incêndios que estão acontecendo na Austrália

  • Por Camila Corsini e Carolina Fortes
  • 18/01/2020 13h02 - Atualizado em 18/01/2020 14h42
EFE Focos ainda são muitos e não há previsão de quanto tempo o fogo vai continuar

Desde setembro, as florestas australianas atravessam uma de suas piores temporadas de incêndios. Já são mais de quatro meses pegando fogo e números alarmantes, como 1 bilhão de animais mortos em decorrência das chamas.

Nesta sexta-feira (17), pelo segundo dia consecutivo, fortes chuvas caíram no país, dando trégua aos bombeiros que combatem as chamas. No entanto, os focos ainda são muitos e não há previsão de quanto tempo o fogo vai continuar.

Perguntas e respostas

1. Quais foram as causas dos incêndios na Austrália?

De acordo com Patrícia Vieira, meteorologista da Somar Meteorologia, incêndios florestais de origem natural acontecem comumente na Austrália durante épocas quentes e secas, mas o prolongamento do período sem chuvas desencadeou o desastre ambiental no país. A proporção da área devastada pelo fogo em 2019 foi cinco vezes maior do que em 2018.

“Todo o problema aconteceu porque o ano inteiro de 2019 choveu menos do que o normal e isso significa que tanto o solo quanto a vegetação ficaram mais secos. O alastramento do fogo foi favorecido pela junção da temperatura elevada do ar, ventos fortes, vegetação e solo secos e ausência de chuva”, explica.

Já o engenheiro ambiental Helio Narchi diz que, neste ano, os incêndios começaram antes e estão se prolongando por mais tempo. Segundo ele, o problema é que houve muitos focos pequenos que acabaram se unindo e criando grandes queimadas. Além do calor, da seca e dos ventos fortes, o especialista aponta outro problema: a intensificação do problema do efeito estufa.

Em 2018, um estudo do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU disse que a temperatura mundial pode aumentar 0,5ºC em uma década se as emissões de CO₂ não tiverem cortes imediatos.

O assunto foi discutido na última Conferência do Clima das Nações Unidas (ONU) em dezembro de 2019. O documento final da COP25 estabelece que os países membros terão de apresentar em 2020 compromissos mais ambiciosos para reduzir as emissões de gases estufa e enfrentar o aquecimento global.

2. Quais as consequências para o ecossistema e espécies?

Até agora, cerca de 100 mil km² foram queimados — uma área que corresponde ao estado de Pernambuco. O número de mortos chegou a 28, milhares ficaram desalojadas e mais de 2 mil casas foram destruídas.

Em relação ao ecossistema, mais de 1 bilhão de animais foram mortos, segundo um levantamento da Faculdade de Ciência da Universidade de Sydney. Só em Nova Gales do Sul, o estado mais afetado pelo fogo, foram mais de 800 milhões de animais mortos. O número inclui mamíferos (excluindo morcegos), pássaros e répteis, e exclui sapos, insetos ou outros invertebrados.

O engenheiro ambiental Helio Narchi alerta, também, que muitas das áreas afetadas não foram acessadas pelas autoridades. Ou seja, o número deve ser ainda maior. “Temos a perda enorme de vegetação, qualidade da água dos rios, o que causa danos na fauna aquática, como peixes e outros animais”, completa.

3. Existem riscos para a saúde? Quais?

A meteorologista Patrícia Vieira explica que, além de todo o desastre ambiental, existe uma preocupação relacionada à saúde para a população da Austrália. De acordo com ela, a fuligem expelida na atmosfera, mesmo nos centros urbanos, causa danos para a mucosa, olhos e pulmões.

“É como estar no meio da poluição o dia inteiro. Respirar um dia na Austrália atualmente equivale a fumar 37 cigarros”, diz.

Na última semana, a qualidade do ar no país atingiu o pior nível no mundo. Na terça-feira (14), moradores de Melbourne, a segunda cidade mais populosa, enfrentaram um segundo dia consecutivo de níveis perigosos de poluição do ar. Espaços públicos de recreação foram fechados e a prefeitura da cidade aconselhou os moradores a evitarem passeios ao ar livre.

A má qualidade do ar causou atrasos nas partidas e a suspensão do primeiro dia de qualificação para o Australian Open. A jogadora da Eslováquia, Dalila Jakupovic, sofreu um acesso de tosse e abandonou a partida.

4. Quais foram as regiões mais afetadas geograficamente?

As regiões mais afetadas pelo fogo foram as áreas costeiras dos estados de Nova Gales do Sul e Victoria, onde as temperaturas ultrapassaram os 40ºC.

No entanto, por causa dos ventos fortes, houve um espalhamento de fumaça por toda a Austrália. Em Sydney, por exemplo, que é um centro urbano, ou seja, longe das florestas, várias pessoas precisaram comprar máscaras devido ao cheiro.

A jornalista Kyane Vives, que mora há cinco anos em Sydney, conta que viu o céu ficar alaranjado em razão das queimadas. “Eu sentia um cheiro muito forte logo que saia de casa e normalmente entre o meio-dia e 17h ia ficando pior ainda. O céu ia ficando laranja e ia parecendo o apocalipse assim, ia escurecendo, e de repente não se via mais os prédios e o sol era uma bolinha bem funda lá no céu”, descreve.

5. A fumaça atingiu outros países?

A fuligem que cruzou a América do Sul alterou a cor do céu e prejudicou a qualidade do ar de algumas regiões do Chile e da Argentina. No Brasil, o fenômeno foi observado no Rio Grande do Sul, no dia 7 de janeiro.

Cientistas da Nasa alertaram que, em breve, a fumaça dos grandes incêndios na Austrália vai dar a volta ao redor da Terra.

No entanto, de acordo com Patrícia Vieira, no Brasil a fumaça chega muito mais diluída, ou seja, não representa riscos para a saúde. “O principal efeito perceptível é a coloração do céu, que fica mais alaranjado. Quando você tem esse material particulado na atmosfera a luz acaba incidindo de maneira diferente e você tem essa cor alaranjada, característica de centros mais poluídos ou que estão vivendo esses incêndios”, explica.

6. Por que as autoridades estão encontrando dificuldades para combater o fogo?

Segundo o engenheiro ambiental Helio Narchi, um dos principais problemas é que foram muitos focos simultâneos de queimadas e em áreas grandes e de difícil acesso. Além disso, as autoridades australianas não estavam preparadas para atender um incêndio dessas proporções por um período tão prolongado.

Uma das maiores críticas da população foi ao primeiro ministro Scott Morrison. Ele foi censurado por ir de férias, sem avisar, para o Havaí, nos Estados Unidos, em plena crise. Durante visita às regiões afetadas, o premier foi mal recebido pela população.

Em entrevista ao canal australiano ABC, Morrison se desculpou e admitiu a possibilidade de instaurar um inquérito para apurar as ações de combate ao fogo. “Existe, obviamente, a necessidade de uma revisão nacional da resposta”, afirmou. “Houve episódios nos quais eu poderia ter lidado muito melhor.”

Para Narchi, o governo teve uma “clara postura” de que não estava preparado para queimadas. “Eles não tinham equipamentos e nem gente suficiente”, aponta.

7. Quais são as principais diferenças entre os incêndios na Austrália e na Amazônia?

De acordo com Hélio Narchi, os dois tipos de incêndio são bem diferentes — a única coisa em comum seriam os danos, já que regiões muito grandes foram atingidas.

“Na Austrália, tem como razões naturais que se intensificaram, já na Amazônia houve desmatamento muito grande. No Brasil, você pode ter uma época de mais seca que ajuda na propagação, mas o que está por trás é o corte na vegetação. Na Austrália, a vegetação queimada se recupera em um período relativamente curto. As árvores da Amazônia tem uma casca fina, vai levar décadas para se recuperar”, compara

Em resumo, os incêndios na Austrália tiveram uma causa mais natural, enquanto na Amazônia foram mais intencionais. Na época, o presidente Jair Bolsonaro exigiu uma apuração rigorosa e disse que os responsáveis pelas queimadas criminosas seriam severamente punidos. 

8. Até quando os incêndios na Amazônia devem durar? 

Após quatro meses de incêndios — eles se iniciaram em setembro e se intensificaram em novembro –, a tendência é de que as temperaturas caiam um pouco. De acordo com a meteorologista Patrícia Vieira, nos primeiros dez dias de janeiro houve uma diminuição do calor extremo.

“As áreas propícias, com temperaturas acima dos 40 graus, ficarão um pouco mais restritas. As temperaturas no país vão variar, mais ou menos, entre 33 e 38 graus. Pode parecer pouca diferença, mas ajuda bastante na manutenção da umidade relativa do ar”, diz.

Patrícia explicou que quanto mais alta a temperatura, menor é a umidade relativa do ar , e quanto mais seco está o ar, é mais fácil que o incêndio seja propagado. Então, quando a temperatura é diminuída, ao mesmo tempo há um incremento na umidade relativa do ar e cai a possibilidade desses incêndios se alastrarem.

“A primeira metade do verão ainda será muito quente, mas deve dar uma aliviada no fim do mês de janeiro”, projeta a meteorologista. 

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