No Afeganistão, jovens trocam guerras e drogas por fisiculturismo
Baber Khan.
Cabul, 17 jun (EFE).- Em um país onde milhares de pessoas sofrem as consequência da guerra, passar horas e horas na academia têm sido uma alternativa para centenas de jovens afegãos fugirem do desemprego, do mundo das drogas e até mesmo do conflito armado.
Cerca de 650 atletas participaram na semana passada de um concurso nacional de fisiculturismo, organizado pela Federação de Fisiculturismo e Fitness do Afeganistão (AFBFF), número considerado relevante e que reflete a crescente quantidade de jovens em busca de esculpir seus bíceps e perder as gorduras extras no país.
Após superar várias rodadas em seis categorias, Mahmoud Farahi, de 22 anos, foi escolhido novo Mister Afeganistão. Ele é da província de Fatah, no oeste do país e na fronteira com o Irã, conhecida pela grande atividade insurgente de grupos talibãs e outras facções jihadistas.
Farahi esteve recluso por seis anos, mas não em um cativeiro. O atleta se trancou em uma academia e adotou uma rigorosa dieta para se preparar para a competição nacional.
“Passei os momentos mais duros da minha vida para me preparar para o concurso. Durante sete meses fiquei em uma dieta estrita de fisiculturista: nada de pão, nem açúcar, nem comidas oleosas. Eram seis quilos de frango, 30 ovos e alguns quilos de fruta ao dia”, detalhou à Agência Efe.
A pior parte foram os últimos 20 dias do regime, disse Farahi, o fim de um processo de redução de peso de 130 para 104 quilos que teve início três meses antes.
“Não comi sal durante 20 dias consecutivos. Nem água ou outras bebidas por cinco dias, além de três noites seguidas sem dormir. A última foi um inferno. Eu inclusive chorei, devido à dor e à sede que sentia. Mas esqueci de tudo quando o júri me declarou como novo Mister”, completou.
Para ganhar e esculpir os músculos, Farahi diz que é necessário mais do que levantar pesos. É preciso obedecer todas as regras do esporte para se preparar para a dura competição. “O fisiculturismo não é só minha paixão, agora é minha forma de vida”, comentou.
Farahi acredita que a guerra afetou todos os aspectos na vida do Afeganistão, um país que também viu o número de usuários de drogas crescer. De acordo com uma pesquisa divulgada pelo governo em maio, 11% dos 30 milhões de habitantes do país consomem drogas.
“Deveríamos usar a influência e a magia do esporte para evitar que os mais jovens se transformem em insurgentes e drogados. Só vemos na televisão coisas do conflito. Se aumentarmos a força do esporte, um dia ela derrotará o poder da guerra”, opinou.
Apesar da oposição ao modo de vida ocidental, o fisiculturismo foi tolerado até mesmo pelos talibãs. No entanto, os homens são obrigados a vestir calças compridas e treinar em locais específicos.
O número de academias saltou para 1.750 nos últimos anos. Só em Cabul, capital do Afeganistão, são 300, de acordo com a AFBFF.
Essa onda cresceu após o colapso do regime talibã e a instalação de um novo governo. Jovens que trabalhavam para ONGs e tropas estrangeiras começaram a realizar atividades que eram dos estrangeiros, entre elas o fisiculturismo, contou à Efe Khwaja Homayoon Sediqi, proprietário de uma academia em Cabul.
“O fisiculturismo se tornou uma moda para os jovens orgulhosos disso. As famílias acham que colocar seus filhos em academias significa proteção contra as drogas e os hábitos ruins”, indicou Sediqi.
O técnico de fisiculturismo e proprietário da academia Khair-Khana de Cabul, Noor Ahmad, disse que dos primeiros 400 jovens que se matricularam no local, 300 eram funcionários de organizações estrangeiras que atuavam no país.
“Agora de 800, 600 são meninos comuns”, afirmou.
No entanto, as despesas diárias dos fisiculturistas para manter as dietas chegam a US$ 50, o principal problemas para se manter na atividade, disse à Efe o diretor da AFBFF, Bawar Hotak.
O Mister Afeganistão também está preocupado com a questão financeira e revela que terá que abandonar a carreira, caso não encontre novas fontes de financiamento.
No entanto, o campeão deve participar do campeonato de fisiculturismo da Ásia, no Uzbequistão, e de um torneio internacional na Tailândia nos próximos quatro meses.
“Meu próximo objetivo é trazer um título da Ásia para mostrar ao mundo que o Afeganistão não é só um país de drogados e insurgentes. Ainda há pessoas aqui que querem a paz”, concluiu Fahari. EFE
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