Com 18 milhões de fumantes, Brasil luta para reduzir dependência e “modismos”

  • Por Diogo Patroni/Jovem Pan
  • 29/08/2017 09h54 - Atualizado em 29/08/2017 14h26
Rafael Neddermeyer/ Fotos Públicas Em torno de 11% da população brasileira ainda é fumante; País gastou R$ 20,6 bilhões com campanhas antitabagismo em 2016

Todo fumante e não fumante está cansado de ouvir que o “cigarro mata”. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), 200 mil pessoas morrem no Brasil por complicações causadas pelo fumo. Entre as principais causas de mortes prematuras estão: infarto do miocárdio, DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica), câncer de pulmão, de boca, laringe, bexiga… já os chamados fumantes “passivos” têm 30% de chances de contrair câncer de pulmão e até mesmo de sofrer um derrame.

Campanhas de conscientização pipocam cada vez mais em diversas mídias e também nas redes sociais. Desde 1986, segundo a Lei Federal 7.488/86, a data de 29 de agosto, é conhecida como o Dia Nacional de Combate ao Fumo. Talvez, por essa luta, a quantidade de fumantes no Brasil tenha caído 30% em pouco mais de 25 anos. Mas ainda assim 18 milhões de pessoas, ou 11% da população, ainda podem ser consideradas “fumantes”.

“O cigarro reduz de cinco a dez anos a expectativa de vida e 40% dos casos de câncer são em decorrência do fumo. A informação não deve estar apenas em grandes mídias. O trabalho preventivo deve começar nas escolas, pois 90% dos fumantes começam antes dos 19 anos”, explica o oncologista do Instituto Vencer o Câncer e consultor Jovem Pan, Dr. Fernando Maluf.

O médico salienta que 2/3 dos tabagistas do mundo são de países em desenvolvimento. “Isso mostra que há falta informação nesses locais. O trabalho deve ser em largo espectro e com impostos mais altos, o que dificultaria o acesso dessa população ao cigarro”, recomenda.

Como parar?

Programas como o PrevFumo, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), recebem em média 4 mil pessoas/ano dispostas a largar a dependência do tabagismo. De acordo com o médico da Disciplina de Pneumologia da Unifesp, Dr. Oliver Nascimento, os acompanhamentos são realizados pelo período de um ano e o dependente deve obedecer uma série de pré-requisitos.

“Primeiro ele precisa ter a vontade de parar de fumar. Escolhemos uma data e ele precisa parar abruptamente. Aí sim damos início ao tratamento, que consiste em três fases: tratamento comportamental, terapia em grupo e tratamento medicamentoso a base de bupropiona e vareniclina”, revela o especialista.

As substâncias mencionadas pelo especialista são medicamentos de uso controlado e estão disponíveis na rede de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS). A bupropiona é um antidepressivo que ameniza os efeitos da abstinência da nicotina, enquanto a vareniclina reduz a vontade de fumar.

Gomas de mascar e adesivos que liberam a nicotina de forma gradual também são alternativas recomendadas no tratamento. No entanto, o Dr. Nascimento alerta que o uso desses componentes deve ser feito sob orientação médica. “A pessoa pode usar de forma inadequada e perder a confiança. É preciso respeitar as recomendações e orientações”, destaca. Entre os principais sintomas da abstinência estão: irritabilidade, perda de concentração, ganho de peso, insônia ou sono demasiado.

Já o Dr. Fernando Maluf acredita que o Ministério da Saúde tem feito um bom trabalho no combate ao tabagismo, entretanto ainda é preciso equipar os Hospitais do SUS e oferecer mais alternativas como o médico de família, que faria um acompanhamento mais detalhado daqueles que lutam contra esse mal. O especialista revela que a cada 10 pessoas que param de fumar, pelo menos 2/3 sofrem recaída. Além disso, 80% dos casos de câncer de pulmão, cabeça e pescoço são em decorrência do tabaco.

Prejuízo

Além dos malefícios já mencionados, o cigarro e o fumo também causam prejuízos aos cofres públicos. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o Brasil gastou R$ 20,6 bilhões com campanhas de combate ao tabagismo em 2016. Confira abaixo:

Mesmo assim, essa poderosa indústria movimenta mais de US$ 1 trilhão/ano no mundo inteiro. Equivalente ao PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil, que é de US$ 1,8 trilhão.

Cigarro do século XXI

OMS

Cigarro eletrônico pode conter altas dosagens de nicotina, metais pesados e substâncias cancerígenas

Além do cigarro, há outros mecanismos que podem ser considerados vilões nessa luta contra o tabaco. Os principais são o cigarro eletrônico e o narguilé. Criado em 2003, o cigarro eletrônico tem invadido o mercado brasileiro e surge como “alternativa” para aqueles que querem parar de fumar. Ledo engano. A cardiologista e coordenadora da área de cardiologia do Programa de Tratamento do Tabagismo do Incor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP), Jaqueline Scholz reitera que o dispositivo não pode ser considerado como aliado na luta contra o tabagismo.

“Ainda há pouca informação sobre o cigarro eletrônico. Faltam evidências para se comprovar os efeitos deletérios desse produto. Os usuários acham que estão consumindo menos nicotina, mas é o contrário. Há preparos em que a proporção chega a 3 mg de nicotina/ml, o que é considerado muito alto”, revela.

Em alguns casos, a proporção de nicotina consumida pode ser equivalente a de quem fuma um maço por dia. Por ser movido à bateria de lítio, o produto contém ainda metais pesados e consequentemente substâncias mais cancerígenas. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) proíbe a comercialização, entretanto o cigarro eletrônico tem chegado ao mercado brasileiro por meio do contrabando.

De acordo com a especialista do Incor, o grande desafio é combater os chamados cigarros do século XXI, principalmente entre os jovens. “O cigarro eletrônico tem feito a cabeça dos jovens. Ele chega para suprir o marketing morto do cigarro a combustão”, esclarece a Dra. Jaqueline que salienta:

“O narguilé também é perigosíssimo. As pessoas têm a falsa impressão de que a água filtra, mas não é bem assim. Ali, é tabaco puro. Nos Estados Unidos saiu uma nota revelando que essas são as maiores formas de experimentação entre os adolescentes. Além disso, os resultados de campanhas antitabagismo estão reduzindo sensivelmente. O que comprova um retrocesso”, completa.

“Cigarro nunca mais”

Reprodução

Sem fumar há sete meses, Marcelo Nobre acabou descontando a ansiedade causada pela abstinência nos doces e ganhou 7 kg nesse período

Aos 33 anos, o auxiliar administrativo Marcelo Nobre conseguiu vencer a dependência da nicotina que lhe acompanhava há dez anos. Há sete meses não coloca nenhum cigarro na boca. Nobre fumava até um maço por dia e admite que a decisão foi motivada exclusivamente por questões de saúde, uma vez que passou a sofrer com a falta de ar e arritmia cardíaca. “Eu decidi parar por mim mesmo. Confesso que foi difícil no começo, mas hoje me sinto bem melhor e disposto. Passei a correr e a frequentar a academia”, afirma.

O único problema, segundo ele, foi conter a ansiedade causada pela abstinência e quase sempre descontava nos doces. “No primeiro mês eu fiquei bem mais ansioso e passei a comer mais açúcar. Engordei 7 kg em sete meses porque beliscava muito. Agora estou com uma alimentação mais regrada e logo esses quilos a mais vão sumir”, relata.

Uma das alternativas para seguir firme na luta contra o tabagismo foi mudar os hábitos e reduzir encontros com os amigos para a tradicional “cervejinha”. “Sempre aliei o hábito de fumar ao de tomar uma cerveja. Então busquei ficar mais no meu canto para evitar uma possível recaída. Outro dia um amigo trouxe narguilé aqui em casa e sequer experimentei. Hoje a fumaça me incomoda e cigarro nunca mais”, destaca Marcelo Nobre.

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