STF derruba decisão de Nunes Marques que devolveu mandato a deputado bolsonarista

Ministro havia suspendido uma decisão do plenário do Tribunal Superior Eleitoral; Fernando Francischini foi cassado após divulgação de notícias falsas sobre o sistema eleitoral brasileiro

  • Por Jovem Pan
  • 07/06/2022 17h13 - Atualizado em 07/06/2022 19h57
Nelson Jr./SCO/STF - 07/06/2022 STF Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal julgou a decisão monocrática do ministro Nunes Marques que suspendeu a cassação do deputado estadual Fernando Francischini (União Brasil-PR)

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou nesta terça-feira, 7, a suspensão da cassação do deputado estadual Fernando Francischini (União Brasil-PR) e decidiu, por 3 votos a 2, por derrubar a suspensão do mandato do parlamentar – proferida pelo ministro Kassio Nunes Marques. O congressista havia sido punido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pela disseminação de notícias falsas contra o sistema eleitoral brasileiro em 2018 e, no dia 2 de junho, o magistrado indicado à Suprema Corte pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) derrubou a decisão do plenário do TSE e abriu uma crise no poder Judiciário. Votaram de maneira favorável à suspensão da cassação do deputado bolsonarista os ministros Nunes Marques e André Mendonça. Já Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes optaram por derrubar a decisão monocrática e referendar o veredito do TSE.

Como votaram

Em seu voto, o presidente da Segunda Turma, Nunes Marques votou para referendar a Medida Cautelar que devolveu mandato ao parlamentar e alegou que a ação da Corte eleitoral baseava-se em modificações na jurisprudência do TSE de maneira retroativa, em dezembro de 2021 nas eleições de 2018. A decisão, segundo o magistrado, impacta a “consideração das redes sociais como meio de comunicação para efeito de configuração de abuso, o balizamento da gravidade da conduta para fins de impacto na legitimidade e normalidade das eleições, a anulação dos votos do candidato que teve o diploma e o mandato cassados, recalculo do quociente partidário e consequente perda de mandato de terceiros não integrantes do processo de investigação eleitoral”.

O ministro também questionou se a internet, bem como as redes sociais, podem ser enquadradas como meios de comunicação na Constituição Federal – já que Francischini utilizou sua página no Facebook nos ataques às urnas eletrônicas – e afirmou que “as redes não são um desenvolvimento natural e linear da televisão e do rádio”. Em seu voto, Nunes Marques afirmou que “é claramente desproporcional e inadequado, por uma simples analogia judicial, equiparar a internet com os demais meios de comunicação”. “Não há uma estação difusora nas mãos de alguém”, argumentou.

André Mendonça, segundo ministro indicado por Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal, ressaltou que seu voto acompanharia ao voto de Nunes Marques. Em breve participação, pontuou que basearia-se na segurança jurídica, em função de jurisprudência que havia consolidada. “As decisões do Tribunal Superior Eleitoral que, no curso do pleito eleitoral ou logo após seu encerramento, implique mudança de jurisprudência, não tem aplicabilidade imediata”, explicou o ex-Advogado-Geral da União ao afirmar que a alteração da jurisprudência deveria ser aplicada apenas nas próximas eleições.

Edson Fachin foi o terceiro magistrado a votar e, na sua fala inicial, o ministro disse acreditar que a votação do processo deveria ser realizada no plenário do STF e não na Segunda Turma e, em seguida, alegou que iria divergir dos votos de seus antecessores. “Ao conceder a tutela provisória monocrática, o iminente ministro relator modificou o status quo e superou a decisão tomada por ampla maioria na Corte eleitoral”, justificou. O magistrado também alegou que Francischini realizou um ataque ao sistema eletrônico de votação, ao regular andamento do processo eleitoral e ao livre exercício da soberania popular ao transgredir o princípio básico da democracia, que seria o “acordo às regras do jogo político”. “Não existe direito fundamental em atacar a democracia a pretexto de se exercer qualquer liberdade, especialmente a liberdade de expressão. Não se deve confundir o livre debate público de ideias e a livre disputa eleitoral para disseminar desinformação, preconceitos e ataques à democracia”, argumentou.

Em uma rápida manifestação, o decano Ricardo Lewandowski realizou um voto com análise técnica da Medida Cautelar e alegou que seu voto contrário à decisão monocrática de Nunes Marques basearia-se na viabilidade processual do recurso e na plausibilidade da tese jurídica. “Assim, entendo que, diante da inviabilidade processual do recurso extraordinário, mostra-se incabível a concessão de efeito suspensivo. Verifico não haver nos autos situação de excepcionalidade em que se mostre patente a plausibilidade jurídica do recurso”, disse.

Por fim, restou a Gilmar Mendes desempatar a votação. Em sua argumentação, o ministro alegou que a classificação da internet como meio de comunicação não é objeto do recurso extraordinário. Em seguida, o magistrado ressaltou que as transformações na rede digital trouxeram “incertezas e fenômenos inovadores” que obrigaram o poder Judiciário a tomar atitudes adequadas. “Os debates, antes primordialmente conduzidos em jornais, rádio e televisão, agora transcorrem também nas redes sociais. A princípio é possível, sem maiores esforços, incluir o uso indevido das redes sociais no conjunto de atos abusivos que autorizam a cassação do diploma”, argumentou.

Pedido de reconsideração

Nesta terça, horas antes do início da sessão da Segunda Turma, o Ministério Público Eleitoral – através da Procuradoria-Geral Eleitoral – pediu ao ministro Nunes Marques que repensasse a decisão de devolver o mandato de Francischini. No documento, o vice-procurador-geral Eleitoral, Paulo Gonet, pede que uma reconsideração “da r. decisão agravada ou, isso não ocorrendo, seja dado provimento ao agravo regimental interposto, com a reforma da decisão monocrática agravada e o restabelecimento dos efeitos do acórdão proferido pelo TSE”.

Versão do acusado

Em entrevista realizada ao Jornal da Manhã na segunda-feira, 6, o deputado Fernando Francichini disse confiar no Supremo Tribunal Federal e alegou que esperar que o plenário da Casa mantenha a decisão de Nunes Marques que restabeleceu seu mandato parlamentar – o que não ocorreu. “Se entrar no julgamento desconfiando que vou ser julgado politicamente, é o fim da democracia. Não posso acreditar que vou ser julgado politicamente. Se for julgado tecnicamente, juridicamente, estou sendo julgado por fake news, o que não existe lei, ainda está no Congresso Nacional. Uma mudança de jurisprudência, colocando as redes sociais como meio de comunicação três anos depois da eleição, sendo que a Constituição é clara quando fala da anterioridade da lei”, ressaltou.

Objeto de análise

Na ocasião, o candidato iniciou uma transmissão ao vivo em seu perfil no Facebook em 2018 e afirmou, para 70 mil pessoas simultâneas, que tinha provas de que as urnas eletrônicas foram fraudadas durante as votações do primeiro turno das eleições. “Agora é real, estou com toda a documentação da própria Justiça Eleitoral. Duas urnas estão apreendidas. São centenas de urnas no Brasil com problemas. Em primeira mão, urnas ou são adulteradas ou fraudadas, a gente tá [sic] trazendo essa denúncia gravíssima antes do final da votação”, argumentou o então candidato. O delegado de polícia licenciado também alegou, durante seus ataques, que estava protegido por “uma m… que é a imunidade parlamentar” e que, dessa maneira, poderia realizar a suposta denúncia. Fernando Francischini é um parlamentar alinhado ao bolsonarismo e foi o primeiro parlamentar cassado no país com base na disseminação de notícias falsas. O político teve, em 2018, a a maior votação da história do Paraná para deputado estadual com 427.749 votos – 7,5% do total, segundo informações do TSE.

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