Menos piores foram eleitos, mas é a indiferença quem sai vitoriosa de 2020

Por letargia e falta de opções, eleitor leva políticos medíocres ao cargo de prefeito e coroa subliminarmente o fisiologismo do Centrão, cada vez mais próximo de Jair Bolsonaro

  • Por Adrilles Jorge
  • 05/12/2020 08h00
Antonio Molina/Estadão Conteúdo - 30/11/2020 Ao lado de João Doria, o prefeito Bruno Covas comemora sua vitória, conquistada em razão das péssimas ideias de seu oponente

A grande vencedora destas eleições municipais de 2020 foi a indiferença. A apatia, somada ao desencanto e uma certa rejeição calculada, recebeu na cidade de São Paulo um montante de 45% de votos brancos, nulos e abstenções. No Rio de Janeiro, foram 55%. O eleitor, por falta de opções, decidiu pelo pragmatismo de escolher o menos pior. Um pragmatismo infelizmente somado também à preguiça e desencanto de escolher melhor entre as diversas opções apresentadas.

São Paulo rechaçou Guilherme Boulos, o candidato que prometeu melhorar o deficit público da cidade aumentando a quantidade de funcionários públicos. Boulos angariou a paixão dos jovens, cheios de entusiasmo passional e carentes de formação e informação intelectuais. E intelectualizadas pela intelligentsia esquerdista que parasita escolas e universidades em massa. A juventude é um problema eleitoral em todo o mundo. Aos jovens, o conselho de Nelson Rodrigues é sempre válido: ”Envelheçam depressa”. O Brasil rechaçou a esquerda delirante e, sobretudo, o lulopetismo, identificados com a hipocrisia e o delírio de um personagem como Boulos. Mas a derrota da esquerda e, particularmente, de Boulos, mobilizada pelo temor de quem tem um mínimo de juízo, não valida a tese de endosso da gestão Bruno Covas ou mesmo da ascensão de uma forma eficiente e ideal de fazer política. A indiferença privilegia o poder estabelecido. Na falta de opções mais claras, o eleitorado tende a permanecer imóvel na direção corrente. Covas foi um candidato que se elegeu imóvel, estático, privilegiado pela ausência de nomes críveis em seu redor.

A indiferença é também um mal. Ser indiferente e apático diante de um gestor que soldou portas de comércios e causou aglomerações em rodízios de carros, formas autoritárias e incompetentes de combater uma pandemia, demonstram que a apatia endossa uma gestão medíocre por letargia. Como foi por letargia calculada que o Rio elegeu Eduardo Paes contra Crivella, um dos piores prefeitos da história do Rio. Paes entra como um modelo pragmático de gestão razoavelmente eficiente, ainda que enredado por denuncias de corrupção. Pragmatismo carioca e rechaço passional a quem quase destruiu a cidade. E endosso desconfiado a quem foi bom administrador, apesar de problemas reais com a Justiça.

Por letargia, indiferença e, sobretudo, fadiga de material e falta de opções mais claras, o vencedor subliminar destas eleições foi o Centrão. Partidos como PSD, PP, MDB, DEM, políticos profissionais, muitos deles enredados em complicações na Lava Jato, se sagraram vencedores. Por letargia e indiferença, pragmatismo e falta de opções, Jair Bolsonaro sai subliminarmente vencedor destas eleições no momento em que ele mais se aproxima do Centrão vencedor. Centrão este que jurou de morte em sua eleição. Vitória provisória da junção Centrão-Bolsonaro, uma vez que esses partidos vão para onde sopra o vento da popularidade. Se o presidente fizer besteira ou se a economia não soprar com bons ventos, o Centrão apoiador se dissipa. O Centrão é indiferente a quem não tem apoio popular.
A indiferença apática é uma constante que privilegia sempre o poder estabelecido, salvo raríssimas exceções. Bolsonaro tentou estabelecer, para bem ou mal, uma politica de combate ao establishment. Foi acusado de não dialogar, de não fazer politica e de ser autoritário. Agora, é acusado de fazer conluio com quem jurou combater. Não há saída fácil para um sistema político quase impossível como o do Brasil.

O pragmatismo de uma certa política fisiológica venceu por justamente a indiferença de boa parte do eleitorado dar maioria numérica a estes políticos profissionais que confundem, em grande medida, diálogo republicano de ideias e ideais com interesses fisiológicos partidários e individuais. Não dá também para culpar o povo. Os partidos comandam a vida política no país. Comandam verbas, escolhem quem mais se coaduna a seus interesses. O caciquismo político impede a ascensão de nomes promissores na política brasileira. Sem candidaturas independentes e sem democracia interna partidária, um povo será sempre condenado a votar no menos ruim, em quem o partido escolher por ele. Nossa democracia representativa é tolhida por 32 partidos que promovem o caos na cabeça do eleitor e cerceiam o aparecimento de uma geração disposta a melhorar efetivamente a vida do pais sem comungar com interesses partidários exclusivos.

Dado este cenário, a questão é: não se governa sozinho no Brasil. É preciso compactuar com contrastes e percepções distintas, e muitas destas percepções distintas nada têm de interesse público do país. O problema é que esse interesse se deixa muitas vezes levar pela indiferença e falta de opções de candidatos que possam mudar fundamentalmente as estruturas do sistema político brasileiro. O interesse público do país é cerceado pela falta de possibilidade estrutural de aparecerem novas lideranças políticas que não sejam ligadas a interesses privados de partidos e, sobretudo, de caciques partidários. Enquanto não houver uma reforma política séria, não restará ao eleitorado outra opção a não ser se equilibrar entre a indiferença e o pragmatismo de eleger o candidato menos ruim.

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