Revolução sexual não tem sentido se não acompanhada de uma construção de amor

Pílula anticoncepcional, psicanálise freudiana e o livre acesso à pornografia em meios virtuais contribuíram para a ampla liberdade sexual sem responsabilidade moral

  • Por Adrilles Jorge
  • 01/05/2021 10h01
Beca Tappert/Unsplash Casal se abraçando deitados em uma cama de lençóis brancos. Só dá para ver o topo das cabeças de onde a câmera está posicionada. Um amor real surge do sacrifício do abandono da paixão, ou mesmo do sexo, para a construção de um amor responsável

Vivemos tempos masturbatórios. O prazer sexual, assim como todo o prazer, se esgota se não se torna a ponte para o prazer de uma responsabilidade, de um sentido de cuidado. Até décadas atrás, a escolha de um parceiro ou parceira sexual sempre foi pautada por um afeto maduro, condicionada pelo risco ou opção de ter filhos. O sexo não parava no orgasmo. Era o início de uma família, quase necessariamente. A pílula anticoncepcional, a revolução sexual, a psicanálise freudiana e o livre acesso à pornografia em meios virtuais contribuíram para a ampla liberdade sexual sem responsabilidade moral. Nada contra a liberdade sexual ou contra o sexo frugal. É aparentemente uma maravilha você ficar com quem quiser, como quiser, quando quiser, sem maiores responsabilidades pela construção de uma relação. Mas há uma constatação: somos seres racionais, sexuais e sobretudo afetivos. Queremos relações.

Usamos nossa liberdade para nos prendermos a algo, a alguém, a sentidos de vida, sobretudo pessoas que se traduzem em sentidos de vidas. Pessoas que escolhemos amar e a quem escolhemos nos prender. Se antes desta nossa ampla liberdade sexual, uns sessenta anos atrás, a maioria de nós tínhamos quase a obrigação de construir uma relação socioafetiva com quem escolhíamos nos casar, hoje a maioria fica com quem quer e quando quer, e parte pra outra relação ao primeiro esboço de problema. O problema é que sempre haverá uma dificuldade de comunicação humana em qualquer relação afetiva. O amor surge muito mais de uma construção permanente com quem intuitivamente percebemos como nosso complemento, e não necessariamente de uma paixão por um ideal de pessoa que se esvai cotidianamente com o tempo, porque a paixão sempre se esvai com o tempo, e uma relação sempre se transforma em outra coisa. Um amor real surge do sacrifício do abandono da paixão, ou mesmo do sexo, para a construção de um amor responsável — pelo cuidado com os filhos ou com a pessoa que você escolheu amar.

A masturbação é um substituto físico do sexo a dois. O sexo é uma comichão do princípio do amor. Boa parte das pessoas trata seus afetos e as pessoas hoje como artifícios para consumo de seu prazer solitário, sem envolvimento. Viva o amor próprio, dizem. Amor próprio sem doação é masturbação vazia do ego. Amor próprio direcionado apenas ao prazer pessoal é masturbar o próprio prazer usando o corpo do outro. O significativo aumento progressivo da pornografia, da prostituição virtual, são sintomas desta busca de um prazer masturbatório, em que você não precisa lidar com o trabalho da relação com uma pessoa, com a construção difícil e extenuante de um amor, de uma entrega social, diária, espiritual a alguém. Claro que as pessoas ainda sempre procurarão incessantemente alguém que as complete em uma relação, um namoro, um casamento. Mas o acesso aos prazeres frugais diminuíram consideravelmente o prazer da dificuldade de construção permanente de um amor. Corpos perfeitos em redes sociais, relações exóticas, fetiches, imagens controladas em sites pornográficos dão uma sensação de extrema facilidade de acesso a obtenção de todos os prazeres ao alcance de um olhar, de um clique, que dispensa um diálogo sempre complicado com que você decide amar.

Sim, o amor é uma decisão. Não uma paixão ou ideal que se esgota. Sempre nos encantamos pelo ideal de alguém. Ideal que se esgota com o tempo. Uma grande atração sexual, ou mesmo pessoal, sempre se converte em uma amizade responsável e uma interação afetiva de cuidado. Sempre. A libido física ou mesmo a libido passional têm prazo de validade. A libido espiritual de querer entrar em comunhão com alguém e gerar uma vida jamais se esgota. Esta é bem mais difícil que um prazer masturbatório de uma noite de sexo ou uma imagem pornográfica controlada, ou um namoro rápido. A revolução sexual não tem sentido se não acompanhada de uma construção de amor. Não existe revolução amorosa porque o amor é uma tradição eterna. Não se revoluciona. A revolução sexual do prazer pelo prazer se transformou em revolução narcísica do domínio dos corpos. Você tem o domínio amplo do seu corpo, do seu prazer. Seu corpo é seu templo inviolável.

A revolução sexual quebra com tabus religiosos obrigatórios de uma união espiritual dos corpos pelo afeto em comum. Não por acaso, a consequência deste templo sagrado do corpo sem espiritualidade transforma a vida libertária sexual em uma das mais puritanas ao mesmo tempo. Se há pessoas que vendem, que mostram e consomem corpos, há também a sacralização do corpo, em que uma pessoa reage agressivamente a uma aproximação ou olhar de desejo como se fosse um atentado ao seu corpo, ao seu templo sagrado sem Deus. O feminismo mais histérico, que enxerga toda masculinidade como cultura do estupro, é filho direto da revolução sexual. Nada contra a liberdade sexual. Muitas e muitos foram de fato explorados sexualmente por uma cultura também reacionária por séculos de castração de desejo livre. Mas não há liberdade prazerosa sem um sentido de responsabilidade. O olhar de um filho, o olhar de cumplicidade com quem se ama, após uma vida de construção e de sacrifícios impostos por uma união visceral com alguém, permanecem em um prazer muito maior e duradouro e significativo do que um orgasmo. Prazer sem sentido de vida é prazer que morre no seu consumo.

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