Atletas brasileiros são os verdadeiros heróis deste país onde o descaso reina

Governantes só aparecem para serem fotografados ao lado daqueles que vieram do nada e lutaram sozinhos para conseguir chegar nos Jogos Olímpicos

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 06/08/2021 11h31
Miriam Jeske/COB Rebeca Andrade foi ouro no solo da ginástica nos Jogos de Tóquio Rebeca Andrade, que ganhou ouro e prata para o Brasil na ginástica artística, será porta-bandeira do país no encerramento dos Jogos Olímpicos

Rebeca Andrade será a porta-bandeira do Brasil no final da Olimpíada de Tóquio, no domingo. Nada mais justo. Que apoio teve Rebeca quando seguia atrás do que desejava? Só sua mãe, que criou sozinha oito filhos, trabalhando como empregada doméstica em Guarulhos, São Paulo. Uma vida dura, como da maioria dos atletas brasileiros que raramente recebe apoio do governo. Os atletas brasileiros se fazem praticamente sozinhos, enfrentando dificuldades e, muitas vezes, até fome. Trabalham o dia inteiro e vão treinar à noite em algum beco. Com ajuda de amigos, longe dos holofotes. Rebeca merece, representando todos os atletas brasileiros que participaram da Olimpíada, entre eles aqueles que vieram do nada, muitos moradores de favelas, sem a mínima condição de sonhar com um dia melhor em suas vidas. Rebeca, 22 anos, conseguiu. Fez história nos Jogos de Tóquio. Medalhas de ouro e prata. Deixa a Olimpíada com sua glória e sua alegria. Esses são os verdadeiros heróis deste país onde reina o descaso em quase tudo.

O mesmo deve-se dizer de Alison dos Santos, 21 anos, medalha de bronze nos 400 metros com barreira. Quem sabia de Alison? Alison nasceu em São Joaquim da Barra, interior de São Paulo. Um acidente doméstico na infância, com uma panela de óleo fervendo, com queimaduras graves, deixou marcas para sempre na cabeça e no peito. Tinha 10 meses de idade. Fez-se atleta por conta própria e, aos 16 anos, já competia com adultos. E por conta própria chegou às competições internacionais com seu 1,90 de altura. Começou no atletismo com a ajuda de seus professores em escola pública, quando era ainda adolescente. Sempre recusou os convites para competir por causa de suas cicatrizes. Até que, mesmo isolado, aceitou e começou sua carreira de atleta especial. E o que dizer de Rayssa Leal, a “Fadinha do Skate”, medalha de prata aos 13 anos de idade? De volta à cidade de Imperatriz, no Maranhão, desfilou em carro aberto pela cidade pobre, iguais a quase todas no interior periférico do país. Começou a treinar sozinha numa pequena pista de skate na Praça Mané Garrincha de Imperatriz. Ficou conhecida em 2015, quando um vídeo em que andava de skate vestida de fada rodou pela internet, o que a levou a ser entrevistada em programas de televisão. Aos 11 anos foi campeã brasileira e se tornou a mais jovem atleta a ganhar uma etapa do circuito mundial. Em 2019 foi vice-campeã do mundo. Tudo com a ajuda de seus pais.

Todos os nomes dos atletas brasileiros que participaram da Olimpíada de Tóquio, medalhistas ou não, deviam ser citados nesta coluna. Mas Rebeca, Alison e Rayssa representam todos eles. Esses são os ídolos do esporte brasileiro. Na infância, grande parte vive no desamparo completo. Onde estão os governantes do país, que pouco se importam com isso, assim como fazem com a cultura? Só aparecem para serem fotografados ao lado daqueles que vieram do nada e que lutaram sozinhos até que uma boa alma decidiu auxiliar. A cerimônia de encerramento dos Jogos Olímpicos de Tóquio terá como lema “O mundo que compartilhamos”, com o tradicional desfile de parte dos atletas que participaram. A mensagem é: “Mesmo com a pandemia, podemos estar juntos, compartilhando emoções, alegrias e preparando um futuro melhor para todos”. Eis Rebeca Andrade com a bandeira brasileira, representante do Brasil nos Jogos Olímpicos e, a exemplo dos outros atletas do país, merece o nosso respeito. Um país se faz com respeito. E o respeito parece, infelizmente, estar em desuso entre nós. O Brasil agradece.  

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