Carta de Bolsonaro à nação foi um ato de sensatez, mas não de humildade

Fazer uma declaração recuando da desordem que tem provocado é uma coisa, cumprir promessas de que vai mudar é outra, completamente diferente

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 10/09/2021 13h36
WALLACE MARTINS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO Presidente da república, Jair Bolsonaro, durante cerimônia no Palácio do Planalto Nesta quinta-feira, Bolsonaro divulgou uma carta à nação dizendo que nunca quis agredir nenhum dos Poderes

Convém dizer, de início, que a crise brasileira é moral. O comunicado de Bolsonaro foi um ato de sensatez. Ou parece ter sido. Mas não me falem em ato de humildade, isso não. Não é fácil acreditar que o presidente Jair Bolsonaro tenha assinado essa declaração ao país, desculpando-se dos atritos que tem alimentado com uma linguagem pura e simplesmente de quem deseja um golpe. Não é fácil. Seja como for, ele assinou. Seu comportamento não é de um presidente da República, mas de um golpista de plantão. Sua popularidade está em baixa. Os números que o elegeram já não são os mesmos. Com sua conduta, Bolsonaro conseguiu destruir até sua própria base de apoio. Acuado na parede, de onde certamente não teria mais escapatória, o presidente decidiu recuar. Recuou? Foi recuo ou for arrego? Quem pode acreditar nisso? Se foi recuo, esse recuo não cabe na trajetória até mesmo de vida de Bolsonaro. Se foi arrego, pior ainda. A verdade é que os discursos que fez em Brasília e na Avenida Paulista, em São Paulo, nas manifestações do Sete de Setembro passaram do limite suportável, acirrando com a inconsequência e irresponsabilidade habituais uma crise institucional que ele mesmo vem provocando com pautas antidemocráticas.

Nessa carta à nação, Bolsonaro garante que nunca teve a intenção de agredir qualquer Poder da República. Será? Verdade mesmo, presidente? Afirma que suas palavras tantas vezes contundentes “decorrem do calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum”. Logo depois do Sete de Setembro, talvez com a cabeça no travesseiro, olhando para o teto no escuro, Bolsonaro pensou em todas as asneiras que fez nesse mesmo dia em que, antigamente, comemorava-se o Dia da Independência do Brasil, com crianças do ensino primário agitando bandeirinhas brasileiras para assistir ao desfile militar. Esse Brasil não existe mais. Sabe-se que a declaração de Bolsonaro foi escrita pelo ex-presidente Michel Temer, chamado por ele para socorrê-lo numa situação que se complicava a cada minuto. Será que Bolsonaro caiu em si? Sinceramente, mas sinceramente mesmo, eu não acredito. Essa conduta é uma questão de temperamento e uma certa brutalização pessoal que não respeita nada.

Talvez Bolsonaro ainda não tenha percebido que ele hoje é o presidente do Brasil e não mais um deputado de segunda classe do baixo clero da Câmara Federal. Ainda não percebeu. Talvez não esteja na cabeça dele que ele é hoje presidente da República, não um deputado insignificante que compra briga por qualquer motivo. Chamou Michel Temer e o ex-presidente atendeu a esse chamado. Bolsonaro mandou um avião para São Paulo para buscar o ex-presidente. Um trecho da declaração escrita por Temer e assinada pelo presidente Bolsonaro diz que a harmonia entre os poderes “não é vontade minha, mas uma determinação constitucional que todos, sem exceção, devem respeitar”. A carta ao país está assinada pelo presidente da República, portanto as palavras são dele. O documento tem 10 pontos em que Bolsonaro se desculpa, afirmando que não tem intenção de agredir ninguém e que as pessoas que exercem o poder não têm o direito de “esticar a corda”.

Bolsonaro referiu-se até ao ministro do STF, Alexandre de Moraes, de maneira civilizada, chamando-o de jurista e professor, mas observando que existem divergências entre eles devido a algumas de suas decisões. Prometeu, então, que a partir de agora essas divergências serão resolvidas por meio de medidas judiciais que serão discutidas pelo Judiciário, “para assegurar a observância dos direitos e garantias fundamentais”. No seu pedido de desculpas, Bolsonaro observou ainda: “Reitero meu respeito pelas instituições da República, forças motoras que ajudam a governar do país”. Observou que sempre esteve disposto a manter um diálogo permanente com os demais Poderes pela manutenção da harmonia entre eles.

Coube ainda a Michel Temer, com sua autoridade de ex-presidente, providenciar uma conversa por telefone de Bolsonaro com o ministro Alexandre de Moraes. Na sua declaração à nação, Bolsonaro só não se referiu à sua postura diante da pandemia que já soma mais de 580 mil vidas no país, enquanto ele passeava de moto, num descaso imperdoável. Não tocou nesse assunto, mas isso ainda lhe será cobrado um dia, porque o deboche diante de tantas mortes não pode ter perdão. Até a madrugada desta sexta-feira, 10, os ministros do STF não se mostravam convencidos pelas palavras do presidente Bolsonaro. Comentaram a declaração com cautela. E é mesmo difícil acreditar. Fazer uma declaração recuando da desordem que tem provocado é uma coisa, cumprir promessas de que vai mudar é outra, completamente diferente. Vamos ver quanto dura.

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