Com tantas armas disponíveis no mercado, Brasil está perto de virar um faroeste sem mocinho

Graças ao esforço hercúleo do governo para armar a população, qualquer um pode comprar um fuzil pela internet; ao menos aqui os índios não são vítimas do bang-bang, eles já morrem pelas mãos de garimpeiros

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 05/02/2021 12h47
José Patrício/Estadão Conteúdo - 26/10/2012 apreensão de armas Armas e munições apreendidas pela Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) em São Paulo

Aos poucos o Brasil caminha ao encontro de seu grande destino. Estamos quase chegando lá. Calma, um degrau de cada vez. E cada vez em um setor da vida nacional. Especialmente aqueles que mais estejam ligados à vida da população. E um desses setores começou a ser galgado com denodo em 2019, quando o Brasil iniciou a sua caminhada para o armamento das pessoas. De 2019 para cá, a questão evoluiu de maneira extraordinária, logo a seguir à assinatura do presidente Bolsonaro do decreto que facilita ao brasileiro a compra de armas de fogo. E, junto com o decreto, o presidente assinou, também, outras alterações das normas dessa área, permitindo a compra de mais munição e acesso a um armamento mais potente, como fuzis, por exemplo, até então restrito somente às forças de segurança. Agora está tudo à mão, e as compras podem ser feitas até pela internet. País desenvolvido é outra coisa.

Hoje, 1,15 milhão de armas de fogo estão nas mãos de civis. E são armas legais. Isso representa 65% a mais das armas de civis desde 2018. O grande salto começou mesmo em 2019, para a alegria do presidente da República, que deseja ver todo mundo armado. Os dados são do Exército e da Polícia Federal, passados ao jornal “O Globo”, do Rio, em parceria com os Institutos Igarapé e Sou da Paz, por meio da Lei de Acesso à Informação. O maior aumento ocorreu nos registros de armas na Polícia Federal: 72%. Cabe à PF dar a licença de armas às pessoas físicas. No caso do Exército, que registra armas de caçadores, atiradores e colecionadores, o aumento nos dois últimos anos foi de 58%.

Até 2003, o porte de arma era permitido no país para qualquer pessoa com mais de 21 anos. O sujeito podia ir ao cinema, por exemplo, com a arma na cintura. E as armas de fogo eram vendidas nas grandes lojas de departamento, com muita publicidade. Nesse mesmo ano de 2003, aprovou-se o Estatuto do Desarmamento, que praticamente proibiu armas nas mãos de civis — eram liberadas apenas a um grupo restrito. Claro, o estatuto desagradou os armamentistas, com o argumento de que tinham direito à autodefesa contra os bandidos. O tempo passou e Bolsonaro foi eleito presidente da República em 2018. Cumprindo o que prometera na campanha eleitoral, o capitão assinou de uma só vez dez decretos presidenciais, 14 portarias de órgãos do governo, dois projetos de lei e uma resolução, tudo isso para flexibilizar a compra de armas e de munição no Brasil. Deputados e senadores apresentaram 77 projetos de decreto legislativo na tentativa de barrar o armamento. Não adiantou nada. O mercado ficou livre.

Fora isso, Bolsonaro quis ajudar ainda mais o armamento da população quando decidiu zerar a alíquota para a importação de armas, especialmente calibres de revólveres e pistolas. Mas o ministro do STF Edson Fachin resolveu barrar essa medida, que valeria já a partir do dia 1º. de janeiro de 2021. Fachin suspendeu a resolução, dizendo que cabe ao Estado diminuir a necessidade de armas de fogo por meio de políticas de segurança pública. O ministro do STF observou, também, que a circulação de revólveres, pistolas e afins, como pretende o presidente representa um risco dramático para a população. Seja como for, calibres que antes eram permitidos apenas à polícia e às Forças Armadas hoje estão disponíveis para qualquer um. Mais de 1 milhão de pessoas armadas pode dar samba. Muito samba. Um pagode inteiro.

E depois, diante do quadro brasileiro que evolui sempre para o pior, a população já está mais ou menos armada para – quem sabe? – uma guerra civil no país. Tudo é possível. Por isso o armamento de civis cresce cada vez mais. Logo chegaremos ao status do faroeste, onde tudo se resolvia na bala. E o mocinho sempre ganhava o duelo. Nessa época, as armas de fogo serviam especialmente para matar índios, o que não será necessário por aqui, onde os índios morrem desamparados assassinados por garimpeiros e invasores de suas terras, em muitos casos com o apoio do governo. Estamos de parabéns. Logo logo bateremos vários países em armamento da população. Na falta de argumentos educacionais e de saúde, por exemplo, essa forma pode ser o jeito brasileiro de se impor como uma grande nação, não é mesmo?

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