Gestão de Salles jamais será esquecida por aqueles que ainda acreditam no Brasil

Ex-ministro é acusado de comandar o desmonte ambiental que o país vive; Ministério do Meio Ambiente tem hoje o menor orçamento dos últimos 21 anos

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 24/06/2021 13h09
BRUNO ESCOLASTICO/PHOTOPRESS/ESTADÃO CONTEÚDO - 15/12/2020 ministro ricardo salles Salles pediu demissão do Ministério do Meio Ambiente nesta quarta-feira, 23

Já vai tarde, ministro! Não dá para viver na contramão o tempo todo. E o que o senhor vinha fazendo desde o início do governo na área do meio ambiente chegou a assustar o mundo. Sua negligência no setor representou sempre uma afronta a um país que se deseja sério. Na verdade, ninguém sabe se o Brasil quer mesmo ser um país respeitado. Já vai tarde, ministro! Bem tarde! Mesmo sendo um cumpridor de ordens, demorou demais para sair. Mas, sejamos honestos: o senhor cumpriu grande parte da missão que lhe foi entregue, conseguindo destruir todos os princípios do meio ambiente no Brasil. Cumprindo ordens ou não, coube ao senhor aceitar e desempenhar essa função infame de ignorar completamente o meio ambiente, assunto dos mais importantes das nações civilizadas do mundo hoje. Mas, no fundo dessa demissão, não vamos usar de hipocrisia: há também uma grande mancha de corrupção que a cada dia se alargava mais. Quem diria? Ainda nesta terça-feira, 22, o senhor foi alvo de elogios do presidente Bolsonaro em cerimônia no Palácio do Planalto. Até bateram palmas para o senhor. Como se explica que Bolsonaro faz um elogio e em seguida assina o termo de exoneração para publicação em edição extra do Diário Oficial desta quarta-feira?

Ao mesmo tempo, o presidente já anunciou o nome do novo ministro, Joaquim Álvaro Pereira Leite. Tudo feito na surdina, senhor ex-ministro Ricardo Salles, exatamente como mereceu. Sujeitos assim merecem golpes assim. E para dar golpes dessa maneira, o presidente não pensa duas vezes. Bolsonaro gaba-se sempre ao dizer que no seu governo não existe corrupção. Salles disse que apresentou seu pedido de demissão ao presidente por entender que o país necessita de uma união muito forte. E para que essa união se faça da maneira mais serena possível, decidiu demitir-se do governo. Falando no Palácio do Planalto, Salles disse ainda que o governo deve investir mais em infraestrutura para que o país continue a liderar o agronegócio. Afirmou que estava no cargo sofrendo muita pressão e alegou problemas familiares para sair. O ministro que já vai tarde é alvo de duas investigações no Supremo Tribunal Federal. Na Operação Akuanduba, realizada em maio, ele foi alvo de busca e apreensão e teve quebrados seus sigilos bancários e fiscal. Esse processo está sendo relatado pelo ministro do STF, Alexandre de Moraes. Essa operação afastou mais de dez servidores do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama, entre eles o presidente da autarquia, Eduardo Bim. Mas o pior ainda estava por vir: no início deste mês, a ministra do STF Cármen Lúcia autorizou a abertura de inquérito para apurar se Ricardo Salles obstruiu as investigações de um esquema de desmatamento ilegal da floresta amazônica, realizadas pela Operação Handroanthus, a maior já deflagrada na região.

A Operação Akuanduba também apura crimes contra a administração pública, implicando em corrupção, advocacia administrativa e, especialmente, facilitação ao contrabando praticado por empresários madeireiros e agentes públicos. A principal linha de investigação da operação que atinge o ex-ministro é que os funcionários do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama atuavam favorecendo indevidamente empresas ilegais dentro do ministério. Fora isso, a Polícia Federal informa que um relatório financeiro elaborado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) detectou transações suspeitas envolvendo o escritório do ex-ministro, que estava vendo o cerco se fechar cada vez mais. Ricardo Salles é acusado de comandar o desmonte ambiental do país, mas convenhamos, isso ele não faria por conta própria. O Ministério do Meio Ambiente tem hoje o menor orçamento dos últimos 21 anos. Salles também suspendeu os comitês que orientavam os repasses do Fundo da Amazônia.

O ministro que já vai tarde deixou algo que ele terá orgulho de carregar pela vida: nos últimos dois anos, a taxa de desmatamento da Amazônia aumentou 48,3%, em relação aos dois anos anteriores. Somente no ano passado, a floresta amazônica teve destruída uma área de 10.851 km2. Some-se a isso as queimadas na Amazônia e no Pantanal, onde 26% de sua área foi carbonizada. O ex-ministro deixou para o país a expressão “boiada”, que passou a significar destruição ambiental. Já vai tarde, ministro! Deixou também uma Amazônia devastada, invasão de grileiros e nações indígenas acuadas. Já vai muito tarde! Resta agora saber se o novo ministro colocado imediatamente no lugar vai seguir o mesmo caminho de Ricardo Salles na destruição do meio ambiente, dos mais sórdidos que se viu no Brasil até hoje. Para muitos setores do meio ambiente nacional, o novo ministro já entra como suspeito, pelo seu retrospecto e por pertencer à equipe do ministro que sai. Cabem bem aqui as palavras do escritor italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1957): “Tudo deve mudar para que tudo fique como está”. Se o ex-ministro estava cumprindo ordens, foram bem cumpridas. Nunca o meio ambiente do Brasil foi tão agredido. A gestão do ex-ministro nunca será esquecida pelos brasileiros que ainda acreditam no seu país.

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