Marília Mendonça deu voz feminina ao sertanejo e mostrou que a mulher não é a vilã das histórias de amor

Cantora evidenciou que a vida da mulher pertence, sim, à mulher e mais: ela tem o direito de fazer o que bem entender; com a sua morte, o palco brasileiro ficou mais vazio, e a cultura do país perde, acima de tudo, uma batalhadora

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 06/11/2021 14h02 - Atualizado em 07/11/2021 11h56
Reprodução/Instagram/mariliamendoncacantora/13.04.2021 Marília Mendonça Marília Mendonça marcou a música sertaneja ao se impor e um mundo dominado por homens

Não morreu somente uma cantora na queda daquele avião. Não somente uma cantora, mas uma mulher chamada Marília Mendonça, aos 26 anos de idade. E, aos 26 anos, se impôs num mundo inteiramente masculino e tantas vezes machista. Impôs sua palavra feminina. Especialmente nessa área da música sertaneja dominada inteiramente por homens, em duplas que cantam, quase sempre, o amor perdido, a desilusão, o sofrimento, a tristeza… Tudo por causa de uma mulher. Pois surgiu então essa mulher chamada Marília Mendonça que, já na sua primeira composição, aos 12 anos, mostrou que a história não é bem assim. A mulher não é a vilã de todas as histórias de amor desfeitas, especialmente por traição. Não. O homem também faz parte desse universo de desamor em que a vítima é a mulher.

Marília Mendonça colocou isso no papel e na música, fez o Brasil ouvir a sua voz. A voz feminina, quase sempre – ou sempre – abafada por atitudes masculinas brutas, que fazem da mulher somente um objeto de decoração. Não é assim. Melhor dizendo: não pode ser assim. E com ela, não era assim. Por isso, essa carreira meteórica, que mostrou a que vinha. Pena que sua carreira tenha sido interrompida de maneira irreversível. Por esse motivo, o Brasil está de luto. Fazia tempo que não se via essa comoção. Pode-se notar que, nesse grande público, que chora e acena lenços, a maior parte de mulheres e adolescentes que estão descobrindo a vida com outro olhar. Marília Mendonça não se encabulou de cantar com a vestimenta que mais gostava, sem se importar com comentários. Nem chegava a ser uma provação. Antes, era uma maneira de ser, de existir, num mundo perverso em que a mulher é quase sempre alguém que existe para obedecer o homem.

Daí ver-se, no Brasil, tantas mulheres assassinadas por maridos, ex-maridos ou parceiros, como se sua vida não lhe pertencesse. A vida da mulher pertence, sim, à mulher. E, dessa vida, ela tem o direito de fazer o que bem entender. A mulher não tem dono, como pensam muitos ainda nessa perversidade que se vê em todo lugar. Marília Mendonça nasceu para ser essa mulher líder de movimentos femininos. Com ela, a mulher começou a compreender determinadas circunstâncias masculinas, especialmente as meninas adolescentes que estão ainda descobrindo a vida. No vídeo de uma gravação que ela fez com Gal Costa, é possível notar o olhar assustado de Gal diante de Marília Mendonça. Gal se rendeu àquela voz que tinha uma verdade e se passada adiante, pela mulher.

Em uma de suas músicas de sucesso, Marília deixou claro num verso que diz: “Todo mundo vai sofrer”. E numa canção o seu recado e deslumbrante: “Igual eu preciso dele na minha vida/mas quanto mais em vou atrás, mais ele pisa/ então já que é assim/ se por ele eu sofro sem pausa/ quem quiser me amar/ também vai sofrer nessa bagaça”. Bagaça mesmo. Marília Mendonça deu o seu recado de mulher. E a mulher começava a ouvir melhor. Especialmente as adolescentes. Ela se impôs no mundo masculino. E sua voz continuará a ser ouvida por muito tempo, por meio de gravações. Pena que tenha falecido aos 26 anos, no campo de sua batalha, que era os palcos brasileiros, ricos ou pobres. Esse palco que está mais vazio. Um palco brasileiro que está de luto. A cultura do país, tão ignorada como é, perde muito. Uma batalhadora. Acima de tudo, batalhadora.

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