O que o presidente Jair Bolsonaro foi fazer em Nova York?

Na Assembleia-Geral da ONU, o chefe do Executivo discursou como se estivesse falando para seus apoiadores no Brasil, nada do tom moderado prometido naquela carta ao país que divulgou depois do 7 de Setembro

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 22/09/2021 12h02
EFE/EPA/TIMOTHY A. CLARY/POOL Jair Bolsonaro caminhando em direção ao púlpito antes de discursar na ONU Bolsonaro foi o primeiro presidente a discursar na abertura da Assembleia-Geral da ONU nesta terça-feira, 21

O Brasil está na boca do mundo. Está nas manchetes dos jornais internacionais. Não gosto de uma palavra da língua portuguesa, mas sou obrigado a usá-la para explicar melhor. Foi uma esculhambação. Uma grande esculhambação. Afinal, o que o presidente Jair Bolsonaro foi fazer em Nova York na Assembleia Geral da ONU, além de dizer que acredita em Deus e defende a família? Foi comer um pedaço de pizza na calçada? Mas para comer um pedaço de pizza na calçada precisava levar junto com ele uma comitiva de 17 pessoas, incluindo a primeira-dama Michelle e os filhos? Afinal, o que o presidente brasileiro foi fazer em Nova York? Foi um vexame. Entrou pela porta dos fundos no hotel onde ficaria hospedado, para evitar uma manifestação de alguns brasileiros, a quem chamou de “acéfalos”. Já seu ministro da Saúde, o servil Marcelo Queiroga, que pegou o vírus na viagem, foi mais explícito e se dirigiu aos manifestantes com gestos obscenos. Com o vírus, Queiroga está de quarentena nos Estados Unidos. Afinal, o que o presidente foi fazer em Nova York?

Às vezes eu digo, até com certo receio, confesso, que a questão não é de apenas ideias curtas, mas de alguns desvio mental próximo de algum tipo de loucura. Em um discurso de 12 minutos, Bolsonaro passou a ideia de que estava ali na tribuna da ONU para desacatar todo mundo. Ou pensou que estivesse no seu “cercadinho” em Brasília. É constrangedor enumerar aqui as inverdades ditas pelo presidente brasileiro na ONU. Não vou usar a palavra mentira porque fica muito forte. Bolsonaro falou até que é contra o passaporte da vacina, para deixar bem marcada a posição do Brasil diante da pandemia. Fez questão de deixar isso claro. Tudo foi constrangedor, até mesmo o momento em que se reuniu com Boris Johnson, em que o tema da vacinação foi rapidamente comentado. O primeiro-ministro britânico falou que já tinha tomado duas doses da vacina contra a Covid-19, relatando a importância da vacinação. Então Bolsonaro, com um risinho, disse que não tomou a vacina porque tem anticorpos suficientes no organismo para evitar a doença. Foi uma cena para apagar e esquecer. Mas para o presidente certamente foi um instante de glória. O que se pensava é que Bolsonaro participaria da Assembleia Geral da ONU para passar uma imagem civilizada do Brasil ao mundo. Como isso não é mesmo possível, o presidente Bolsonaro preferiu recorrer a fatos que não são verdadeiros.

Doze minutos de inverdades em que ele falou ao mundo sobre um país que só existe na cabeça dele. Falou em economia cada vez mais vigorosa, na defesa da vida indígena, no empenho em preservar o meio ambiente. Tudo isso no Brasil. Bolsonaro chegou até mesmo, num ataque de alucinação, a convidar todos os presentes a visitarem a Amazônia, para que possam ver de perto a preservação da floresta, um exemplo para todas as nações do mundo. Num momento de puro delírio, chegou a defender o tratamento precoce contra a Covid-19, como se estivesse num parque infantil, não na ONU. Levou o que ele chama de “tratamento precoce” para a Assembleia Geral da ONU. Alguém me responda, por favor, o que o presidente da República foi fazer em Nova York? Discursou como se estivesse falando para seus apoiadores no Brasil. Aliás, foi exatamente isso que fez. Nada do tom moderado prometido naquela carta ao país que divulgou depois do 7 de Setembro. Nem pensar. Essa carta por certo é coisa do passado, pelo tom de desacato utilizado na ONU, diante de uma plateia interessada em saber do Brasil. O enfrentamento do governo à pandemia só pode existir na cabeça do presidente, na vida dos brasileiros, não. Bolsonaro chegou a dizer que aqueles que não aceitaram o tratamento precoce no mundo ainda serão responsabilizados pelas milhões de mortes pela doença. E disse também que os brasileiros foram obrigados a ficar em casa por ordem de governadores e prefeitos, perdendo sua renda.

Também levou para a ONU sua desavença com governadores e prefeitos, a quem culpa pela pandemia no Brasil. Mas aí entrou em cena o Chapolin Colorado, ele mesmo, que criou o auxílio  emergencial para enfrentar a crise, beneficiando milhões de brasileiros pobres. Bolsonaro também lembrou as manifestações de 7 de Setembro, observando que milhões saíram às ruas patrioticamente para apoiar a democracia e o seu governo. Não cabe aqui enumerar os assuntos abordados de maneira rápida pelo presidente na tribuna da ONU. Até porque Bolsonaro falou sobre um país que não existe. No fim de tudo, restou um grande vexame. Uma grande frustração. Bolsonaro foi a Nova York para provocar, como se estivesse no Brasil, onde faz o que bem entende e está sempre envolvido em situações de conflito. Foi um vexame. Convém dizer que as três vezes que falou na abertura da Assembleia Geral da ONU, Bolsonaro disse tudo a mesma coisa. Até com as mesmas palavras. Fala-se em Brasília que o Itamaraty preparou um discurso civilizado para mostrar outra imagem do Brasil. Mas o presidente não quis. Providenciou outro discurso que resultou naquilo que leu na tribuna da ONU. Frases que não se ligavam num discurso que parece ter sido escrito para desafetos, visando agradar seus apoiadores. Foi um desrespeito ao próprio país. Bolsonaro criou uma realidade fantasiosa da pandemia que já tirou a vida de mais de 580 mil brasileiros, dizendo que sempre apoiou a vacinação, o que é uma inverdade. Muito pelo contrário. Esse é o “novo” Brasil que o presidente da República mostrou ao mundo. O Brasil virou uma chacota no mundo. Uma esculhambação.

Comentários

Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.