Pacheco e Lira tentam reconstruir as pontes que o presidente derruba, mas correm o risco de pregar no deserto

Em um país mergulhado no caos, nada garante que o presidente da Câmara e o do Senado sejam mesmo os ‘homens de boa vontade’ que aparentam, porém é nítido o esforço de ambos para manter a paz em Brasília

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 18/08/2021 15h27
Dida Sampaio/Estadão Conteúdo - 04/08/2021 Trajados socialmente, Rodrigo Pacheco (à esquerda) e Arthur Lira (um pouco atrás do senador) caminham no Congresso Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, e Arthur Lira, chefe da Câmara dos Deputados

O Brasil, atualmente, é um país que vive de frases de efeitos e bravatas inconsequentes. Um versículo da Bíblia diz: “Glória a Deus nas alturas e paz na Terra aos homens de boa vontade”. O Brasil está repleto de “homens de boa vontade”, mas número maior são de pessoas duvidosas que, no fundo, não valem nada. Têm iniciativas apenas de ordem política circunstancial, na tentativa de salvar a própria pele. Nesta segunda-feira, 16, dois “homens de boa vontade” decidiram falar ao país, de alguma maneira contra as manifestações alucinadas do presidente da República. Marcaram posição o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM), e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP). Usando as redes sociais, os dois versaram sobre as relações entre os poderes da República, mas sem mencionar um fato específico. Cabe ao bom entendedor compreender.

Lira afirmou que o Brasil precisa de mais trabalho e menos confusão. Já Pacheco observou que fechar as portas e derrubar as pontes é um desserviço. Estão corretos. Do jeito que está, não dá mais. Mas seriam eles “homens de boa vontade”? O pronunciamento dos dois ocorreu neste momento em que o presidente da República se tornou alvo de inquéritos no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Superior Eleitoral por ter anunciado, em suas bravatas, que pedirá ao Senado o impeachment dos ministros do STF Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. O mandatário da Câmara dos Deputados observou que a Casa é ferrenha defensora constitucional da independência dos três poderes. Assinalou que, vigilante e soberana, a Câmara avança nas reformas como a tributária na certeza de que não é mais possível conviver com tantos problemas.

Já Rodrigo Pacheco afirmou que o diálogo entre Executivo, Legislativo e Judiciário é fundamental. Não se pode abrir mão desses princípios. Exercer arbitrariamente suas próprias razões representam um desserviço. Esclareceu, ainda, que neste momento de crise é recomendável a busca de consenso e respeito às diferenças, salientando que o Congresso não permitirá retrocessos. Para Pacheco, patriotas são aqueles que unem o Brasil, e não aqueles que querem dividir o país. Os dois se negaram a dizer a quem se referiam, mas não é necessário. O alvo foi Bolsonaro, que parece não desejar viver em paz, dando sempre a impressão de que o Brasil lhe pertence. Não é assim. Nunca poderá ser assim. O Brasil não é quintal da residência de ninguém, seja quem for.

Os presidentes da Câmara e do Senado seriam “homens de boa vontade”? Pelo que disseram em seus pronunciamento, a resposta é afirmativa. Mas quem garante? Ninguém garante nada num país mergulhado no caos. É preciso perguntar se os dois já combinaram essa postura com Bolsonaro. Tudo indica que não, porque o presidente continua com seu discurso beligerante, uma guerra que ele faz questão de continuar, doa a quem doer. Sempre distante da realidade, o presidente acha que pode tudo, e não pode. Tem um limite, mesmo sendo presidente da República. Assim, os chamados “homens de boa vontade” verdadeiros continuam a pregar no deserto. E o Brasil é um deserto de ideias. O que vale mesmo é o desaforo e o insulto. A ofensa passou a ser institucional. E assim vamos levando o barco. Mas não é fácil levar o barco nessa tormenta. Um dia ele afunda.

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