Para o Brasil virar um Velho Oeste, só falta a população andar a cavalo pelas ruas

Anuário Brasileiro de Segurança Pública revelou um aumento de 4% no número de mortes com violência, a maioria por arma de fogo

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 21/07/2021 14h57 - Atualizado em 21/07/2021 18h06
Leco Viana/Thenews2/Estadão Conteúdo À noite, policiais travam rua com uma viatura (outra está estacionada) para apurar uma ocorrência Em 78% de todos os casos, crimes com violência foram praticados com arma de fogo

Nota-se facilmente que o comportamento de grande parte dos brasileiros mudou nos últimos anos. Não existe mais aquele ideia do homem cordial, sobre a qual o historiador Sérgio Buarque de Holanda se referiu no seu famoso livro “Raízes do Brasil”, publicado em 1936. Seria uma cordialidade recebida como herança da colonização ibérica. Se Sérgio Buarque de Holanda vivesse no Brasil atual, ele não escreveria seu livro referência. O Brasil mudou muito. E mudou para pior. Após um tímida tendência de queda, volta a registrar crescimento no número de mortes violentas. Mata-se por qualquer motivo. Mas afinal, nunca deixou de ser assim. Em 2020, o aumento de mortes intencionais foi de 4% em relação ao ano anterior, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado na última quinta-feira, 15. No ano passado, foram mortos com violência 50.033 pessoas. O perfil das vítimas segue o mesmo de levantamentos feitos em anos anteriores: 76% negros, 54% jovens e 91% do sexo masculino. Em 78% de todos os casos, o crime foi praticado com arma de fogo.

Por mortes violentas intencionais, entenda-se a soma de vítimas de homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes decorrentes da intervenção policial, em serviço ou fora dele. São mais de 50 mil mortes violentas, a maior parte com armas de fogo. É uma guerra civil não declarada. Ou estamos nos dando ao luxo de estar ensaiando. O diretor do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, explica que vários fatores da vida nacional fizeram aumentar o número de mortes violentas, como o rearranjo do crime organizado, especialmente no Norte e Nordeste. Houve, também, um enfraquecimento da maior facção paulista nos presídios brasileiros, o fortalecimento da maior organização criminosa do Rio de Janeiro e também das que controlam o tráfico de drogas da região amazônica. O aumento de crimes também foi favorecido pela demora do governo federal na implementação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). Some-se a isso a eterna falta de recursos. O Ceará registou o maior aumento de crimes violentos: 75%. Isso se deveu à greve da PM e à guerra dos traficantes. Mas, com greve ou sem greve, com guerra do tráfico ou não, o Ceará é um dos Estados brasileiros onde mais se mata. A seguir, onde o crime mais cresceu, pela ordem, estão o Maranhão, Paraíba e Piauí. O que agravou essa situação foi o desemprego. 

O Anuário Brasileiro de Segurança indica que uma em cada quatro cidades do Rio de Janeiro está acima da média nacional de mortes violentas no Brasil. O Rio concentra, também, 8 dos 20 municípios com maior número de óbitos em operações policiais. Atualmente, o Estado não dispõe sequer de uma Secretaria de Segurança Pública, o que faz o crime organizado se estabelecer em todo lugar, tornando a população refém. Mais uma vez somos campeões em alguma coisa. A morte violenta passou a ser algo comum em várias regiões brasileiras e também na periferia de São Paulo. Em qualquer questão, a ordem parece ser matar o desafeto. Basta uma pequena discussão sobre qualquer assunto e a bala resolve tudo. As mortes violentas revelam, sim, uma face perversa do país, onde a lei da arrogância está sempre acima de todas as outras. A matança vai continuar. Até porque, por lei, cada cidadão pode possui quatro armas. Não vai demorar muito, todo mundo vai andar pelas cidades com a arma na cintura. Só falta usar um cavalo, como no Velho Oeste.

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