Quem sai prejudicado de uma relação ruim entre Brasil e China é a população

País asiático demonstra que cansou das acusações brasileiras; vínculo entre as nações precisa ser mais positivo para não prejudicar a imunização contra a Covid-19

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 11/06/2021 13h58
EFE/Antonio Lacerda/Archivo Pessoa passando o líquido da vacina CoronaVac para a seringa A vacina CoronaVac é produzida em parceria do Instituto Butantan com o laboratório chinês Sinovac

A China decidiu endurecer. Tudo indica que a China cansou. Com razão. Se o governo brasileiro não mudar o tratamento que dá àquele país, as vacinas para o Brasil se tornarão mais difíceis. A decisão foi tomada pelas autoridades chinesas 15 dias depois de o presidente Bolsonaro, em novo ataque de fúria, voltar às críticas de sempre. A farmacêutica chinesa Sinovac cobrou a mudança da posição do Brasil em relação à China. Se as críticas à China continuarem, os insumos para o Instituto do Butantan, de São Paulo, deixarão de ser fornecidos para a fabricação da vacina CoronaVac. Ou para esse falatório ou a situação vai chegar a isso. Em outras palavras, a China cansou. É muita conversa irresponsável especialmente dentro do governo brasileiro. A China pede uma relação mais civilizada com o Brasil, ressaltando a importância de apoio político para a realização das exportações, incluindo, ainda, a possibilidade de um tratamento preferencial a determinados países. Essa informação consta de um documento sigiloso do Itamaraty enviado à CPI da Covid-19, obtido pelo jornal O Globo, do Rio de Janeiro.

Esse ofício reproduz uma carta enviada pela Embaixada do Brasil em Pequim ao Ministério das Relações Exteriores. Essa carta relata uma reunião realizada no dia 19 de maio na capital da China entre diplomatas e representantes brasileiros, um deles do governo de São Paulo, com o presidente da farmacêutica Sinovac, Weidong Yan. É um assunto delicado e difícil de tratar, porque o Brasil atual é um país mais ou menos à deriva num mar de ideias equivocadas procurando um meio de sair da tormenta. Seja como for, a China cansou. É preciso parar com essas acusações que não levam a nada, mas alimentam a má vontade do governo brasileiro em relação a tudo que se refere ao coronavírus, incluindo uma negação não declarada publicamente à vacinação. E agora também ao uso de máscaras, conforme pronunciamento de Bolsonaro nesta quinta-feira, 10. Esse fato desmente por inteiro os depoimentos à CPI da Covid do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e do ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Os dois garantiram que os pronunciamentos do presidente Bolsonaro contra a China não tiveram nenhum impacto nas negociações das vacinas com o Brasil. Uma óva! Tiveram muito impacto e chegaram a estremecer a relação entre os dois países, mesmo em se tratando de uma questão humanitária que é o fornecimento dos insumos para produção de vacinas contra a doença.

De acordo com a informação da embaixada brasileira, o presidente da Sinovac afirmou ter um bom relacionamento com o Instituto Butantan, mas seu desejo é que o acordo entre as duas empresas seja visto como uma demanda do governo brasileiro. O que não acontece. O documento observa que essa situação passou a exigir uma correspondência a nível político para tratar dos insumos ao Brasil, o que facilitaria as negociações entre o Instituto Butantan e a Sinovac junto ao Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Popular da China. No fundo, não faltará vacina, pelo menos da China, se os insultos e ofensas brasileiras tiverem um fim. A relação entre os dois países tem que ser mais positiva. Não dá para continuar do jeito que está. A questão das vacinas representa apenas um negócio meramente comercial. E também diplomática. O embaixador do Brasil na China, Paulo Estivallet, participou da reunião e se comprometeu a levar essa informação ao governo brasileiro. A postura brasileira em relação à China tem de mudar. O que pegou muito mal foi quando Bolsonaro insinuou que o coronavírus fazia parte de uma guerra química. Foram insinuações graves tratadas até com ironia, quando se referiram ao PIB da China, o que já seria uma vantagem da tal “guerra química” chinesa. Isso pegou mal. E o governo chinês não engoliu.

Já o novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, garante que a relação entre a China e o Brasil é excelente, inclusive porque os dois países são parceiros comerciais muito sólidos. Mas quem pode levar a sério qualquer afirmação do “tal” ministro Marcelo Queiroga, que se mostra mais um servil do que um ministro de Estado. Parece seguir aquela política do ex-ministro general Eduardo Pazuello: “Um manda e o outro obedece”. De qualquer maneira, a China decidiu dar um basta nessa guerra de palavras. Brasília e Pequim têm que se respeitar. Se não for assim, muita coisa vai complicar entre os dois países, incluindo a vacinação. Alguém precisa falar isso para o presidente da República Federativa do Brasil. Não vai adiantar nada, mas ele precisa saber do estrago que vem produzindo de maneira inconsequente. A vítima maior disso tudo é a população brasileira, que espera por uma vacina cada vez mais difícil de chegar. Vacinas que chegam ao Brasil a conta-gotas. Essa, infelizmente, foi a opção do governo brasileiro desde o aparecimento do coronavírus, sempre tratado com descaso, enquanto o número de mortes aumenta. Mas parece que isso não preocupa muita gente, especialmente de um governo que tem como argumento o desprezo pela vida.

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