Ricardo Salles nunca enganou ninguém: a questão do meio ambiente no Brasil nunca foi levada a sério

Ministro é acusado de favorecer madeireiros e obstruir investigações contra o desmatamento ilegal, mas conta com apoio incondicional do presidente

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 21/05/2021 14h09
Dida Sampaio/Estadão Conteúdo - 19/05/2021 Com uma máscara azul colocada ao contrário, o ministro Ricardo Salles dá entrevista Operação da Polícia Federal investiga Ricardo Salles, mas o ministro afirma que não tem nada a esconder

Fez por merecer. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, está sempre envolvido em algum fato mal explicado. Está sendo melhor observado desde aquela fatídica reunião de 22 de abril, repleta de palavrões presidenciais, quando ele tomou a palavra e disse que o governo deveria aproveitar aquele momento em que a imprensa estava preocupada com a pandemia para colocar em pauta tudo o que interessasse. Aquele era o momento para abrir o portão e deixar a boiada passar. Ver o chefe do Meio Ambiente dizer algo assim, enquanto a floresta pegava fogo, é algo espantoso. Mas esse ministro nunca enganou ninguém. Só a quem não presta muita atenção nas coisas. Desde o início de sua gestão, tudo que se refere ao meio ambiente no Brasil foi para o vinagre. Na quarta-feira, 19, a Polícia Federal realizou buscas contra Salles, além de servidores da pasta e também do Ibama. A operação que está à cata do bom menino chama-se “Akuanduba”, que é uma divindade dos indígenas de Araras, no Pará. Foi deflagrada por ordem do ministro do STF, Alexandre de Moraes, que também afastou o presidente do Ibama, Eduardo Bim.

Essa área do meio ambiente tem muita suspeita rolando. Muita. Para mostrar que essa iniciativa não é mais uma brincadeira brasileira que sempre dá em nada, Moraes mandou quebrar os sigilos bancários e fiscais de todo mundo. Em relação a Ricardo Salles, as buscas foram realizadas em sua casa em São Paulo e nos seus endereços funcionais em Brasília e no Pará. Foi um cerco. O ministro do Meio Ambiente decidiu ele mesmo comparecer à Polícia Federal para saber o que estava acontecendo, como se não soubesse de nada. A operação “Akuanduba” investiga crimes contra a administração pública, o que inclui corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando, todos crimes praticados por agentes públicos e madeireiros ilegais. Ricardo Salles diz apenas que tudo está sendo exagerado e desnecessário. Assinala que ele sempre atua com bom senso, com respeito às leis e ao devido processo legal. Salles procurou o presidente Bolsonaro e explicou que não existe substância nenhuma no que está sendo investigado. A acusação mais séria é a de que funcionários do Ibama estão favorecendo empresas dentro da administração pública. E tudo regado a propinas generosas. Ao determinar busca e apreensão contra o ministro, Alexandre Moraes apontou a grave existência de um esquema de facilitação de contrabando de produtos florestais e que Salles está envolvido nisso, referindo-se a um relatório financeiro elaborado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que detectou transações suspeitas envolvendo o escritório de advocacia do ministro do Meio Ambiente.

É tudo desprezível nessas histórias deste país absurdo. Essa operação não foi comunicada ao Procurador Geral da República, Augusto Aras, porque temia-se que ele, como é de costume, barrasse as investigações. Quanto ao afastamento de Eduardo Bim, indicado ao Ibama pelo presidente Bolsonaro, pesa a acusação de permitir a invasão de terras indígenas para plantação de soja e plena liberdade para a ação de madeireiros. Contra Salles há ainda uma denúncia-crime enviada ao STF pelo ex-superintendente da Polícia Federal no Amazonas, acusando o ministro do Meio Ambiente de favorecer madeireiros e obstruir investigações contra o desmatamento ilegal da Amazônia. O respeitado Observatório do Clima afirma que a conta do desmonte parece enfim ter chegado para seus perpetradores. Observa, ainda, que Salles agiu sempre contra a própria pasta e o meio ambiente do país desde o dia em que colocou os pés no ministério. Convém colocar entre aspas nas palavras do Observatório. Abre aspas: “O fato é que Salles montou um verdadeiro gabinete do crime ambiental no Ministério do Meio Ambiente e um dia teria de responder por isso”. Fecha aspas.

Aspas fechadas, resta-nos apenas dizer que se trata de um fato lastimável. Nesta quinta-feira, 20, na sua live costumeira na qual fala sem parar, o presidente Bolsonaro comentou o assunto, dizendo que Ricardo Salles é um ministro excepcional e que está sendo vítima dos xiitas ambientais do país. Então está bem, presidente! A verdade é que nunca a questão do meio ambiente no Brasil foi levada a sério e por esse motivo virou notícia internacional. A ordem oficial é para destruir tudo. Pelo menos é o que parece. Além do fogo criminoso, há ainda o desmatamento permitido, mas não declarado. Naquela região, o bandido faz o que bem entende. A vida indígena não vale nada. Os índios são atacados por garimpeiros e desmatadores ladrões de madeira. O governo finge que não sabe de nada. A floresta é apenas um detalhe que, tudo indica, pouco interessa ao Brasil. Infelizmente o Brasil passou a fazer seu retrato com as coisas lamentáveis. E assim vamos seguindo para o futuro, como se nos atirássemos num abismo. 

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