Nova variante da Covid-19 reacende o pânico coletivo e inflama a miséria espiritual

Enquanto a maior parte do povo viver oscilando entre o medo e a esperança em vez de agir imbuída de autocontrole e serenidade, cada nova pandemia é não apenas “calamidade sanitária”, mas sobretudo um terreno fértil para o sensacionalismo

  • Por Bruna Torlay
  • 03/12/2021 09h00
MARCELO CHELLO / ESTADÃO CONTEÚDO - 07/02/2021 pessoas caminhando na rua de máscara Pessoas circulam pelas ruas de São Paulo usando máscaras de proteção

Ao longo da semana, o noticiário foi invadido por detalhes de uma nova variante do vírus que causa a Covid-19. Diversos vírus são prolíficos em variantes, embora nem todos tenham vocação para despertar o pânico coletivo. Esse fenômeno depende mesmo é da quantidade de holofotes sob os quais o microrganismo é incessantemente submetido. O terror, o medo, o pânico é uma reação psicológica proporcional à capacidade de autocontrole de quem a experimenta. Os seres humanos incapazes de autocontrole são facilmente manejáveis, e constituem a audiência mais cativa do noticiário sensacionalista.

Os governos mundo afora poderiam intensificar campanhas pela elevação da imunidade. Política pública de saúde efetiva e de baixo custo é justamente a preventiva. Prevenir é mais eficaz e barato que remediar. Vacinas são menos caras que leitos; campanhas de conscientização, menos caras que cirurgias. Embora a política de vacinação tenha sido adotada, pouco se tem falado sobre o principal e mais efetivo meio de prevenir estragos que acompanham pandemias: dar voz aos imunologistas. A partir do momento que começarmos a propagar os meios de elevar a imunidade, a audiência tende a baixar. Porque dá trabalho. E exige disciplina da audiência – em vez de sua propensão ao maravilhoso.

Platão estabelece uma analogia acertadíssima no diálogo Górgias. O assunto é “quem vence uma eleição”, e diz o filósofo grego que, entre um cozinheiro que promete ao povo fazê-lo feliz dando a ele toda sorte de guloseimas, e um médico que promete torná-los melhores pela dieta rígida e exercícios físicos, o povo corre para o colo do primeiro. Quem prefere melhorar a saúde fazendo exercícios diários e dieta austera, em lugar de sonhar com a felicidade entre balas, brigadeiros e pudins suculentos? Pois é… a verdade árida atrai menos as atenções e esperanças que promessas doces e coloridas. E assim foi com a pandemia.

Na era do iFood, da comida processada e da adesão à academia por razões de vaidade, não de disciplina médica, qualquer governo do mundo poderia fazer o mais correto e recomendado – orientar a população a prestar atenção aos hábitos e alimentos que derrubam sua imunidade –, mas não necessariamente cativaria a hipnótica atenção do público. O povo gosta mesmo é de receitas milagrosas prontas para serem absorvidas sem esforço algum. Deseja o remédio, em vez de um estilo de vida que nos livre deles; ordens que garantam protegê-los do próximo, em vez do exercício da responsabilidade em cuidar-se por livre e espontânea vontade.

Não existe contexto para arbitrariedades ou decisões que violem liberdades individuais quando as pessoas estão habituadas a conduzir-se imbuídas do senso de responsabilidade pelos próprios atos. Mundos onde indivíduos processam uma empresa por terem contraído uma doença em suas instalações tendem, infelizmente, a desencadear a mania de medidas restritivas, quando não o lamentável passaporte sanitário. Não há lugar para tiranos em comunidades livres. Mas entre os adeptos da servidão voluntária, a tirania aflora como erva daninha em pasto fresco. Enquanto a maior parte do povo viver oscilando entre o medo e a esperança em vez de agir imbuída de autocontrole e serenidade, cada nova pandemia é não apenas “calamidade sanitária”, mas sobretudo um terreno fértil para o sensacionalismo.

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