TSE cassa deputado estadual que cometeu o sacrilégio de desconfiar de fraude em uma eleição

Com todas as suas forças e os mais inovadores critérios, tribunal quer evitar que as pessoas mintam umas para as outras durante um processo eleitoral

  • Por Bruna Torlay
  • 29/10/2021 09h00
Abdias Pinheiro/SECOM/TSE De toga preta, sentado em sua cabine no TSE, ministro Alexandre de Moraes verbaliza seu voto sobre a cassação da chapa Bolsonaro-Moraes Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal

Na última quinta-feira, 28, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou o mandato do deputado estadual Fernando Francischini (PSL-PR) pelo (recém-inventado) crime de espalhar fake news. Na prática, pelo inominável crime de tentar persuadir o próximo de uma mentira, algo realmente escandaloso e inédito na dourada história do mundo. Num vídeo divulgado no dia da votação das eleições de 2018, o parlamentar teria afirmado que houve fraudes no pleito. O TSE jura de pé junto que não houve, razão pela qual o deputado perdeu o mandato. O teor do voto do ministro Alexandre de Moraes é digno de sátiras de fazer inveja a Laurence Sterne e Jonathan Swift. Segundo o Moraes, o acusado “pretendeu manipular a vontade dos eleitores”, usando “da sua condição, não só de deputado, mas de policial”, para dar fé a uma “notícia fraudulenta”.

Não passou pela inteligência indiscutível e reluzente do ministro que o acusado talvez acreditasse piamente ter havido fraude. Não ocorreu-lhe que Francischini, como outros seres-humanos, desconfiasse seriamente que adversários políticos costumam usar da fraude em processos eleitorais, sobretudo em se tratando do cargo eletivo mais elevado da oitava economia do mundo. Curiosamente, desde que o mundo é mundo, a trapaça perpassa todo tipo de eleições. Política é disputa de poder. Eleições sem fraude (ou pelo menos tentativas mal ou bem calculadas de fraude) parece algo tão tangível quanto unicórnios do velocino de prata. Não que seja impossível consertar esse pequeno deslize da malfadada condição humana. O TSE está aí para isso: evitar, com todas as suas forças e os mais inovadores critérios, que as pessoas mintam umas para as outras durante um processo eleitoral qualquer. Sobretudo se forem autoridades como, por exemplo, deputados estaduais.

O povo costuma repetir que políticos mentem muito. Um domínio da cultura chamado “retórica”, vigente no universo chamado política desde pelo menos a Grécia, se define pela habilidade de influenciar as decisões do próximo manejando os seus sentimentos. No registro inconveniente chamado realidade, políticos são pessoas hábeis em persuadir o próximo quanto a votos e decisões. Segundo Platão, que os detestava por isso, boa parte deles costuma alcançar a meta mentindo. Política sem mentira só não é algo mais raro que eleições sem tentativa de vencer a todo custo, lançando mão de criativas modalidades de fraudes. Mas o TSE, instituição única no mundo por sua excelência (e não jabuticaba sem préstimo que custa aos brasileiros mais de R$ 7 bilhões ao ano, como dizem as más línguas incapazes de compreender a elevada moralidade da instituição), decidiu criar jurisprudência para obter um feito inédito na história do mundo: espalhar a certeza sobre inexistência de fraudes em eleições; e criar mecanismos para punir pessoas que ousem mentir durante processos eleitorais. Nem o velho Platão, com seu risivelmente perfeito rei-filósofo, foi tão arrojado. 

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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