Entenda por que o Banco Central é tão cauteloso com a taxa de juros

Ainda há vários fatores de incerteza no cenário econômico que podem levar a mais pressões no câmbio e na própria Selic

  • Por Denise Campos de Toledo
  • 27/09/2021 16h08 - Atualizado em 27/09/2021 16h11
Adriano Machado/Reuters Homem passa em frente ao prédio do Banco Central em Brasília Na última quarta-feira, o Banco Central elevou a taxa básica de juros para 6,25% ao ano

Na reunião da semana passada, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), confirmou as expectativas e elevou a taxa básica de juros em um ponto, para 6,25% ao ano, já sinalizando que deve manter esse ritmo na próxima reunião. De acordo com esse “plano de voo”, como tinha antecipado o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, a Selic pode fechar o ano em 8,25%. A intenção é avaliar as condições de cenário, a própria trajetória da inflação, para evitar ajustes mais pesados que possam segurar demais a atividade, que já caminha para um ritmo mais fraco no ano que vem. A questão é que, na semana passada mesmo, a inflação já deu novos sinais de que pode continuar avançando, não apenas por choques pontuais, como aumento da energia, alta de commodities ou de alimentos por fatores climáticos.

O IPCA-15 subiu 1,14% em setembro, a maior variação para o mês desde o Plano Real e com o índice de difusão dos aumentos chegando a 73%, o que reafirma um espalhamento maior dos reajustes de preços pelos vários setores. E a alta em 12 meses bateu nos dois dígitos: 10,05%. Isso já levou a uma nova rodada de revisão das projeções, ainda modesta. O relatório Focus divulgado nesta segunda pelo Banco Central trouxe elevação do IPCA deste ano para 8,45% e de 2022 para 4,12%. Só que não houve alterações nas expectativas em relação à Selic, que permaneceram em 8,25% agora em 2021 e 8,5% no ano que vem. Sinal de que, pelo menos na média, o Banco Central reassumiu as rédeas das perspectivas da política de juros, dominando um pouco as projeções do mercado, ainda que a curva de juros tenha voltado a ficar mais pressionada. Assim como estava pressionada antes da fala de Roberto Campos Neto, que esfriou as apostas apontando para um ajuste de 1,25 ou até de 1,5% já na reunião do Copom da última semana.

Mas é importante notar que, pelo ritmo sinalizado pelo BC, a taxa básica pode fechar o ano abaixo da inflação. Será que nessas condições se pode contar com uma acomodação dos reajustes que faça a inflação retornar ao patamar compatível com a meta do próximo ano? Uma menor confiança no potencial de controle da inflação pode reforçar as pressões de preços para recomposição de margens, indexação, correção antecipada, repasse de aumento dos custos para o varejo. A inflação em dois dígitos acende a luz amarela e deixa os agentes econômicos em alerta. Nesse sentido, ainda há vários fatores de incerteza no cenário que podem levar a mais pressões no câmbio e na própria curva de juros. Tem as questões fiscais com relação à ampliação do Bolsa Família, a PEC dos Precatórios, a Reforma do Imposto de Renda, as dúvidas quanto à gestão da crise energética e ainda a proximidade das eleições, que tende a trazer mais instabilidade, especialmente em 2022, que seria o foco da estratégia do BC de contenção da inflação.

A expectativa de uma expansão mais fraca da atividade pode reforçar o efeito que os juros podem ter sobre o consumo e o consequente espaço para reajustes de preços. O relatório Focus trouxe novo corte na média das projeções para o PIB de 2022, agora em 1,57%. Para 2021 permanece em 5,04%. Sendo que o relatório Focus, até por incluir as previsões de muitos analistas, pode não estar retratando o sentimento dominante, que é de um desempenho ainda mais fraco no próximo ano, com mais riscos inflacionários. Já temos grandes “casas” do mercado trabalhando com a expansão do PIB abaixo 1%, inflação na faixa dos 9% e a Selic superando esse patamar. Enfim, o que se coloca é o risco da pior combinação, a temida estagflação, que é inflação elevada com economia estagnada. Por isso os vários indicadores de inflação vão continuar sendo monitorados com muita atenção, assim como as avaliações e decisões do Banco Central que, no comunicado do Copom, não descartou a possibilidade de mudança no ritmo antecipado de elevação da taxa básica. Por enquanto, só fez a opção pela cautela.

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