Impasses com Auxílio Brasil reforçam incerteza fiscal

De um lado, o governo tem de abrir espaço no teto de gastos para as despesas com o novo programa social; do outro tem de garantir fonte de receita

  • Por Denise Campos de Toledo
  • 18/10/2021 13h10 - Atualizado em 18/10/2021 15h25
Joka Madruga - Estadão Conteúdo Moedas de um real em uma pequena torre e, ao redor delas, uma roda de notas de 50 reais Receita para o Auxílio Brasil viria da aprovação da reforma do Imposto de Renda

Final de ano chegando e o governo continua com sérias dificuldades para definir o orçamento de 2022 contemplando a ampliação do Bolsa Família através da criação do Auxílio Brasil. E ainda corre contra o tempo também porque o auxílio emergencial acaba em menos de duas semanas. Neste ano ainda pode contar com a receita do IOF para o novo programa. Só que isso não assegura as condições legais para o próximo ano. De um lado, tem de abrir espaço no teto de gastos para as despesas com o novo programa social; do outro tem de garantir fonte de receita, como determina a lei de responsabilidade fiscal.

No que se refere ao teto de gastos, a expectativa é quanto à aprovação da PEC dos Precatórios, que posterga o pagamento das dívidas judiciais, diminuindo os gastos anuais. O parecer já foi apresentado na Comissão Especial da Câmara mas ainda enfrenta resistências. O texto fixa um teto para o pagamento dos precatórios, com base no valor corrigido tendo como referência o exercício de 2016. O que pode ser mantido enquanto não forem alteradas as regras para o próprio teto de gastos. A PEC limitaria o pagamento em 2022 a R$ 39 bilhões, jogando R$ 50 bilhões para 2023. Ainda que essa fórmula persista por poucos anos, pode criar uma bola de neve em termos de expansão da dívida. O que ameniza um pouco esse risco é a possibilidade de os credores receberem antes, com desconto de 40% com a compensação de débitos ou até a participação em ativos da União, imóveis, privatizações, excedente da partilha de petróleo. Mas, como se parte de uma decisão unilateral do governo, impondo regras aos credores, pode haver questionamento na Justiça, além da pressão contrária dos Estados, que estão entre os principais credores. Sem esquecer que, por ser uma emenda constitucional, terá de ter a aprovação, em 2 turnos, de 3/5 da Câmara e depois do Senado. Na Câmara até se conta com uma facilidade maior dado o histórico recente de votações de interesse do governo. Mas o Senado pode oferecer mais resistência.

Importante ressaltar que, mesmo com a aprovação da PEC e o drible no teto de gastos, ainda será preciso garantir a receita para o Auxílio Brasil, que viria da aprovação da reforma do Imposto de Renda, com a taxação de lucros e dividendos. O que parece bem mais complicado. Além de possíveis mudanças no texto aprovado pela Câmara, comprometendo a receita esperada, ainda pode haver prioridade para a reforma tributária, também em tramitação no Senado. Sendo que alguns cálculos já apontam que as mudanças aplicadas na proposta original do governo já teriam prejudicado o reforço de receita, com risco até de perda de arrecadação.

Todo esse impasse mantém as incertezas quanto a evolução das contas e o risco de adoção de propostas que driblem também a lei de responsabilidade fiscal. Uma das alternativas em discussão é a prorrogação do auxílio emergencial com valor menor, para complementar o Bolsa Família, que deve ser corrigido conforme previsto na projeção orçamentária. Pela urgência e o interesse político na garantia de um reforço de renda para a população mais carente, pode ser uma saída. Nesse caso, não haveria necessidade de garantir fonte de receita, como ocorre com uma despesa permanente. Mas o desequilíbrio fiscal persistiria, afetando a credibilidade da gestão das finanças. Fator que pesa até na atração de investimentos para o país.

O certo é que, por enquanto, todas as alternativas em pauta trazem um desconforto do ponto de vista fiscal. E com a inflação ainda elevada, o reforço de renda para a população mais carente pode nem ter tanta repercussão em termos de popularidade como o governo gostaria. Por mais que amenize o aperto financeiro, vai ficar longe do impacto que o auxílio emergencial teve em 2020, quando conseguiu diminuir a pobreza em plena retração da atividade econômica. O aumento do custo de vida com a disparada da inflação, puxada por despesas básicas, como alimentação, energia e gás não deve ser compensada pelo Bolsa Família turbinado.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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