Inflação durante a pandemia gera alerta no mundo inteiro

Preços elevados pesam nos custos do atacado, pressionam o varejo e afetam o poder de compra da população, já prejudicado por todas as circunstâncias relacionadas à Covid-19

  • Por Denise Campos de Toledo
  • 24/05/2021 15h34 - Atualizado em 24/05/2021 15h43
@xb100 - br.freepik.com Imagem de um carrinho de compras posicionado atrás de quatro pilhas de moedas, posicionadas lado a lado da mais baixa para a mais alta Pressões de preços começaram a jogar os índices de inflação para um patamar preocupante

O mercado global, incluindo o doméstico, tem apresentado muita volatilidade na expectativa de alguma alteração da política monetária, especialmente nos Estados Unidos. A questão é que, por uma série de fatores, a inflação começa a ser um problema, mesmo que a pandemia ainda imponha algumas restrições regionais ao crescimento. Mas a recuperação da China, que, no ano passado, nem sequer apresentou retração, acabou por impulsionar a demanda global por commodities, de alimentos a minério de ferro, passando pelo petróleo, o que gerou distorções entre oferta e demanda, com fortes pressões de preços. Na medida que outras economias também vão avançando, sustentadas por estímulos fiscais e a vacinação, como nos EUA, as pressões de preços ganham mais impulso, o que leva a esse questionamento quanto a possíveis revisões de estímulos, passando pelas políticas de juros.

O mundo, há um bom tempo, vem convivendo com juros muito baixos e até mesmo negativos, dadas as dificuldades de vários países em engatar um crescimento mais vigoroso. Situação reforçada por todas as dificuldades que vieram com a pandemia, em que as restrições de atividade e o isolamento social levaram a fortes retrações, com aumento do desemprego e perda de renda. Por mais que os governos tenham reorientado as políticas para minimizar os danos, ainda estão longe de uma situação de normalidade em relação à abertura. O que traz insegurança quanto à manutenção da retomada até nas economias mais desenvolvidas.

Para os emergentes, a situação é ainda mais grave, já que antes mesmo da crise sanitária, já enfrentavam problemas relacionados aos desequilíbrios sociais e à baixa expansão da atividade. O Brasil, em particular, não tinha conseguido superar as perdas da recessão anterior, mantendo um ritmo médio de expansão do PIB pouco acima de 1% ao ano. A pandemia acabou revertendo algumas posturas mais cautelosas em relação a gastos e gestão de juros, o que até assegurou alguma capacidade de reação importante no que se refere às consequências da pandemia. Aqui, além de programas, como o auxílio emergencial, o de preservação do emprego e da renda, o Pronampe, ainda tivemos a Selic caindo para o piso histórico de 2% ao ano. Só que, depois de uma fase de inflação muito baixa e até deflação, como consequência das restrições de atividade, as pressões de preços começaram a jogar os índices para um patamar preocupante, ameaçando primeiro o centro, e depois o teto da meta.

O Banco Central, mesmo com todas as dúvidas quanto às condições de evolução da atividade, até porque ainda estamos muito atrasados na vacinação, voltou a elevar a Selic. Já foram dois ajustes de 0,75 pontos percentuais, com possibilidade de repetir a dose na próxima reunião. Na média, o mercado vê a Selic em 5,5% no final deste ano e 6,5% no final de 2022. Seria uma normalização parcial dos juros, possivelmente sem impacto maior sobre o potencial de reação da economia. Só que a inflação não para de subir. São semanas consecutivas de elevação das projeções para o IPCA, o índice oficial. Com o últimos ajuste, segundo o relatório semanal Focus, do Banco Central, o mercado prevê 5,24% neste ano e 3,67% no ano que vem. Supera o teto agora e passa do centro no próximo. Sem garantia que vá parar por aí.

Como grande exportador de commodities, de produtos básicos, o Brasil, que ganha muito do lado das exportações, acaba importando os aumentos de preços para o mercado doméstico, principalmente com o dólar alto, em decorrência das incertezas em relação ao cenário político e econômico, principalmente quanto à questão fiscal, a evolução das contas públicas e a capacidade de avançar com a agenda de reformas. O retorno das exportações, que deveria representar fluxo maior de recursos, ajudando na apreciação cambial, foi limitado por essas incertezas, assim como o fluxo de investimentos.

Na formação de preços, temos a alta das commodities no exterior, o impacto do dólar e ainda distorções entre oferta e demanda decorrentes da própria pandemia. De início, com a trava geral das atividades, tivemos até deflação. Mas depois que a retração começou a ser revertida de forma desigual, com reação bem mais forte de alguns setores, enquanto outros não conseguiram acompanhar a demanda, paralelamente à elevação das commodities, vieram dois problemas: aumento dos índices com escassez de insumos. Vários segmentos da indústria, do agronegócio e a construção convivem hoje com falta de produtos e alta de preços, que acaba reforçando pressões inflacionárias. Daí o aperto da política monetária, que pode se intensificar.

Mas o que causa mais instabilidade no mercado é o que pode acontecer com a política monetária nos Estados Unidos. Por mais que o Federal Reserve insista na manutenção dos juros entre 0 e 0,25% por um longo período, a forte recuperação da economia, nesse contexto de alta de commodities, com estímulos fiscais por parte do governo, já têm levado a inflação para um patamar desconfortável. Embora não haja indicações mais claras de aumento dos juros, o FED já sinalizou a possível discussão quanto a algum aperto da liquidez, com a diminuição da compra de ativos. Isso poderia abrir a porta para discussões também quanto à antecipação da alta dos juros. Movimento que seria ruim para outros mercados e países. Vale lembrar que os títulos americanos, considerados de risco zero, com juros maiores, podem desviar recursos de outros mercados, como a Bolsa, e países que ofereçam maior risco… Os emergentes, em geral, incluindo o Brasil.

Independentemente de uma decisão ou apenas sinalização do FED, o mercado já tem antecipado a mudança, com pressões sobre os juros dos treasuries, os títulos americanos. Esse tem sido um dos principais motivos de ondas de maior volatilidade dos mercados. No Brasil, a Bolsa até tem resistido, com empresas favorecidas pela alta das commodities e também pela perspectiva de um crescimento maior da economia neste ano. Sendo que alguns setores aprenderam a lidar melhor com a pandemia, se ajustaram ao novo cenário e têm surpreendido positivamente, com os bons resultados de balanço, o que também colabora para uma performance melhor das ações em Bolsa. A pressão mais pesada ainda fica no câmbio, parâmetro também de outras incertezas, como no campo fiscal e político.

Ainda que o dólar tenha tido alguns momentos de trégua, especialmente depois da retomada da alta dos juros pelo Banco Central, não dá para contar com um recuo mais consistente nesse ambiente de tantas incertezas. Enquanto isso, continua reforçando as projeções menos favoráveis para a inflação, que tem sido um alerta, na verdade, em todo o mundo. Até a China, uma das causas da forte pressão de demanda e preços no mercado internacional, já tem atuado para conter a alta, especialmente, do minério de ferro. Mas, por enquanto, a tendência ainda é de as commodities continuarem com preços elevados, sustentadas pela reação da atividade global, sendo que no Brasil, ainda podemos ter o reforço da alta de preços administrados, como energia. Não se trata de um descontrole da inflação, até porque o BC pode apertar mais os juros. Mas a perspectiva é de índices em patamar elevado, pesando nos custos do atacado, pressionando o varejo, o que afeta o poder de compra da população, já prejudicado por todas as circunstâncias relacionadas à pandemia, como o desemprego.

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