Potencial de reação da economia melhorou em meio a incertezas fiscais e políticas

Por mais que o Brasil ainda conviva com números muito ruins da pandemia, a expectativa é otimista em relação à vacinação, o que pode alavancar a expansão do país

  • Por Denise Campos de Toledo
  • 21/06/2021 15h24
Pixabay Cédulas de real espalhadas Segundo o Boletim Focus divulgado nesta segunda-feira, a inflação pode ficar em 5,9% no final deste ano e em 3,78% em 2022

O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) confirmou as expectativas do mercado. Sem novidade, elevou a taxa básica para 4,25% ao ano, como tinha sinalizado. A diferença é que abriu a possibilidade de avanços maiores da Selic ao acabar com o compromisso de uma normalização apenas “parcial” dos juros. No comunicado que veio com a decisão, o Comitê ainda fala em elevar os juros para um patamar neutro, ou seja, que ainda não pese tanto na atividade econômica. Mas o mercado conta com ajustes para um patamar mais acima da inflação, que pode até ter algum impacto sobre o ritmo de expansão da economia mais à frente. Esse aperto maior dos juros viria da necessidade de conter a inflação, ainda muito pressionada e com projeções em alta. Além disso, como a inflação é uma preocupação global, há indicações de elevações dos juros em vários países, sendo que a preocupação maior, do ponto de vista do Brasil, é o que pode acontecer nos Estados Unidos. O Federal Reserve, o Banco Central americano, em princípio, mantém o discurso de segurar os juros no atual nível, entre 0 e 0,25% por um longo período. Mas já se conta com o início de alguma correção lá para o final de 2022, uma vez que o próprio FED elevou as projeções de inflação. Além disso, vários dirigentes têm defendido o corte dos estímulos via recompra de títulos, o que, na prática, significa menos injeção de recursos, além de um aperto maior sobre a oferta de crédito, que também resulta em ajustes nas taxas praticadas pelo mercado e na curva das taxas dos treasuries.

Como os Estados Unidos oferecem risco muito menor que outros países, especialmente os emergentes, e, entre eles, o Brasil, a possibilidade de juros maiores dos títulos americanos pode desviar recursos de outros mercados. Nesse caso, a atratividade maior para o Brasil, garantida pela elevação da Selic, poderia ficar comprometida, com consequências sobre a acomodação do dólar, que é um dos fatores que podem colaborar para uma trajetória mais favorável da inflação. Contexto que reforçaria a tendência de alta mais forte da Selic, a não ser que a inflação comece a desacelerar de forma mais intensa, permitindo uma convergência das projeções para o centro da meta nos próximos anos. Por enquanto, na média das projeções, segundo o relatório semanal Focus, do Banco Central, a inflação pode ficar em 5,90% no final deste ano e 3,78% em 2022, sendo que vários fatores ainda podem pesar nessas projeções. Um dos principais é a expectativa de mais aumento da tarifa de energia, diante da crise hídrica e da necessidade do uso das termelétricas, que têm um custo de geração muito maior que das hidrelétricas. Também há muitas dúvidas quanto à evolução dos preços das commodities no exterior, em um ambiente de maior demanda, assegurado pela retomada das várias economias, favorecidas por um controle maior da pandemia. E, por mais que o Brasil ainda conviva com números muito ruins da pandemia, a expectativa é otimista para o segundo semestre em relação à vacinação, o que também pode alavancar uma expansão maior da economia brasileira. As projeções para o PIB de 2022 já estão em 5%. PIB em alta é uma notícia muito positiva, só que significa demanda maior, com mais possibilidade de recomposição de preços afetando a inflação.

Mas o mercado recebeu bem a indicação do Copom de um compromisso maior com o controle da inflação, sem insistir mais na ideia que as pressões são apenas passageiras. Sendo que o Comitê também coloca na pauta dos fatores que podem pressionar os índices a questão fiscal, ainda com muitos pontos em aberto e um possível atraso na agenda de reformas. Do lado fiscal, por mais que se conte com uma boa folga no teto de gastos para 2022, com condições de acomodar despesas maiores sem caracterizar, em tese, uma falta de compromisso com a limitação legal dos gastos, faltam as mudanças estruturais, que podem trazer uma confiança efetivamente maior, no sentido de um ajuste efetivo das finanças. Da mesma forma que a melhoria da relação dívida x PIB sente muito mais os efeitos da retomada da economia e do impacto da inflação no cálculo do que das tais mudanças estruturais.

O cenário econômico, no geral, melhorou. Não há dúvidas quanto a isso. Estamos com números melhores das finanças, ainda que seja por esses fatores que eu citei, e a economia tem um potencial de expansão bem maior do que se previa algumas semanas atrás. Mostrou vigor maior que o esperado mesmo em meio à nova onda da pandemia. Só que tem essa questão da inflação a ser resolvida, além das reformas estruturais que possam estabelecer confiança, de fato, em relação às finanças públicas, além de assegurar um crescimento sustentável a longo prazo que não seja apenas a reversão do tombo anterior. Para isso é preciso que a retomada atinja os vários setores, como o de serviços, que podem ajudar muito a alavancar uma recuperação também do emprego e da renda. Estabelecido esse ambiente, o Brasil pode ter uma aceleração dos investimentos, que, como sabemos, andam de mãos dadas com a confiança. E quando se fala de confiança no Brasil, vai muito além da conjuntura econômica. Tem todo o ambiente de negócios, a insegurança jurídica, institucional e política. Não vamos esquecer que estamos com as eleições cada vez mais antecipadas e isso não é bom pra quem pretende fazer apostas de longo prazo. Vamos reconhecer que até mudanças mais relevantes na economia, como as reformas, privatizações e outras medidas em pauta no Congresso, assim como determinada decisões de governo, como programas sociais, têm embutido um peso preocupante de interesses políticos, partidários e eleitorais. Isso coloca algumas nuvens no potencial de recuperação da credibilidade do país a ponto de o tornar, efetivamente, mais atraente para os investidores.

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