Ruído político e agenda conturbada afetam expectativas para a economia

Por mais que tenhamos indicadores positivos, como foi o Caged na semana passada, o que tem prevalecido são as incertezas em meio à perceptível falta de uma estratégia mais confiável na gestão da economia

  • Por Denise Campos de Toledo
  • 30/08/2021 13h06
Itaci Batista/Estadão Conteúdo Cédulas de R$50 colocadas em sequência No boletim Focus desta segunda, a expectativa para o IPCA deste ano foi a 7,27% e a do PIB caiu para 5,22%

Após uma fase de maior otimismo, com avanço da vacinação, crescimento acima do esperado, reforçando a arrecadação e a melhoria das contas públicas, com recuperação do emprego formal, a economia parece enroscar numa crise de desconfiança, já evidente nas pressões do mercado e piora das projeções, com preocupações crescentes quanto à inflação e as contas públicas. Assim como na política, podemos enfrentar uma crise “inventada”, com as duas coisas muito interligadas. O excesso de ruído político pesa no câmbio, que afeta mais a inflação, tornando mais difícil o controle via aumento de juros. Para reverter a piora da popularidade, o governo tenta seguir adiante com propostas que buscam abrir espaço no orçamento de 2022 para aumentar despesas em ano de eleições. Só que essas propostas reforçam também o clima de incertezas. A PEC dos Precatórios é dos principais exemplos. Ainda que haja uma alternativa legal, negociada entre os poderes, isso não muda muito a percepção negativa. O governo vai escapar do compromisso judicial com grandes credores sem um esforço para ajustar as contas, assegurando uma folga superior ao impacto que o apelidado “meteoro” teria sobre o orçamento do próximo ano.

O compromisso pode ter superado muito as projeções, que é o que se tenta corrigir. Só que, em todas as saídas colocadas em discussão, o alívio pode ir além desse possível comprometimento. Na prática, vai deixar de pagar não só o que poderia estourar o teto, mas também um “extra” que pode ajudar em gastos como a ampliação do Bolsa Família. Sempre bom lembrar que não há qualquer crítica ao aumento do programa social, mesmo com o bônus de popularidade que pode trazer diante do aumento da pobreza reforçado por sucessivos e pesados reajustes de preços de produtos e serviços de consumo básico. O problema é a falta de compromisso com o ajuste das finanças, as estratégias para driblar restrições legais relacionadas aos gastos e às contrapartidas financeiras, das negociações políticas, em troca de apoio a essas medidas. O elevado custo das emendas parlamentares, por exemplo. No caso dos precatórios, pode haver negociação dos R$15,6 bilhões devidos aos Estados, adiando parte da fatura de R$ 89,1 bilhões, que Guedes trata como o tal meteoro sobre as contas públicas, que parece não saber de onde veio.

O CNJ ainda pode estabelecer um teto para os precatórios com base na despesa de 2016, de R$30,3 bilhões, corrigida pela inflação, com o limite, como um teto dos precatórios, de R$40 bilhões em 2022, o que jogaria R$49 bilhões para frente. O espaço fiscal, no final das contas, ficaria em cerca de R$ 17 bilhões. O meteoro seria implodido com essas manobras para aliviar as contas, evitando a necessidade de qualquer ajuste mais sério. Na pauta das preocupações, ainda tem a crise de energia que vem se agravando com a piora do nível dos reservatórios, sem a transparência necessária até para garantir maior colaboração da população. Aumentar as tarifas, oferecer alguma contrapartida para redução de consumo em horários de pico e pedir para apagar um ponto, uma lâmpada no fundo da casa, parece pouco diante dos riscos que o país pode enfrentar pelo uso no limite das termelétricas, com menor vazão de água destinada às hidrelétricas, prejudicando a agropecuária, com mais pressões sobre os preços. Por mais que tenhamos indicadores positivos, como foi o Caged na semana passada, como pode até ser o PIB do último trimestre, que vai ser divulgado na quarta, como foi a evolução das contas nos últimos meses, o que tem prevalecido são as incertezas em meio à perceptível falta de uma estratégia mais confiável na gestão da economia.

Há uma mistura preocupante de improviso com interesses políticos e falta de coordenação, reforçando um contexto que já começa a reverter o movimento positivo dos índices de confiança, além de piorar as projeções para vários indicadores, como tem mostrado o relatório Focus do Banco Central. No boletim desta segunda, além elevar as previsões de inflação, o mercado voltou a cortar as do PIB. A expectativa para o IPCA deste ano foi a 7,27% e a do PIB caiu para 5,22%. Para 2022 as previsões ficaram, respectivamente, em 3,95% e 2%. São projeções que refletem toda a apreensão com as mudanças de cenário, podendo se reverter em mais pressões, na medida em que têm potencial para produzir maior instabilidade do dólar, que afeta a inflação e a curva de juros, que encarece o crédito, o custo da dívida pública. Movimento que pode ser sancionado pelo Banco Central na calibragem dos juros básicos, até para assegurar maior confiança na trajetória futura da inflação. Ruídos demais na política e na agenda econômica têm ampliado os focos de problemas. A economia, que tinha condições de estar num momento bem mais favorável, tem mudado o sinal para uma evolução menos confortável.

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