Sanção do Orçamento evitou crises maiores, mas não é página virada

Manutenção dos cortes de R$ 29 bilhões será imenso desafio para Guedes; risco de shutdown, que é a falta de dinheiro para despesas que não podem ser retiradas, permanece no radar

  • Por Denise Campos de Toledo
  • 26/04/2021 15h22 - Atualizado em 26/04/2021 18h31
Dida Sampaio/Estadão Conteúdo Ministro da Economia afirma que redução dos impostos para pessoas físicas e empresas será recomposta pela taxação de dividendos Ministro da Economia afirma que redução dos impostos para pessoas físicas e empresas será recomposta pela taxação de dividendos

O Orçamento de 2021 foi sancionado no finalzinho do prazo. Sem dúvida, evitou crises maiores. Emendas  preservadas, deixando nas mãos dos parlamentares R$ 33,5 bilhões, afastam o risco de mais pressões políticas sobre o governo, que a partir desta semana terá pela frente a CPI da Covid-19. Por outro lado, a contabilidade criativa ajustou as contas, para evitar pedaladas e as, consequentes, implicações legais. Por mais que se tenha discutido a responsabilidade fiscal e o respeito ao teto de gastos, as despesas relacionadas à pandemia ficaram fora do teto, sem necessidade do estado de calamidade, como em 2020. O governo ganhou uma margem de manobra importante. Se houver necessidade de reforço dos programas, como o auxílio emergencial e outros que estão sendo relançados, como de preservação dos empregos, dada a gravidade da segunda onda da Covid-19 e das condições econômicas e sociais, o acréscimo também poderá ficar extra teto.

O problema é que, mesmo com essa estratégia, a situação está longe de estar bem resolvida. Com cobertor curto, o contingenciamento de despesas veio pesado e atinge desde a realização do Censo à pesquisa de vacina, passando pelo financiamento do Casa Verde Amarela, antigo Minha Casa Minha Vida. E agora é pressão para todos os lados por mais liberações de recursos. A manutenção dos cortes de R$ 29 bilhões no Orçamento, para manter as contas dentro do teto, será um imenso desafio para o ministro Paulo Guedes. Mais do que a suspensão de planos e projetos, permanece no radar o risco de shutdown, que é a falta de dinheiro para despesas que não podem ser cortadas, relacionadas até à prestação de serviços e pagamento de contas. Poderia ser diferente? Poderia, se houvesse maior entendimento político quanto às reais prioridades do País. O equacionamento de todo esse enrosco, embora difícil diante do quadro deficitário das finanças públicas, agravado no ano passado, ficaria menos complicado se, na definição do Orçamento, não se tivesse priorizado as emendas parlamentares. Parte delas negociadas para assegurar a aprovação da PEC emergencial que, por sua vez, trouxe muito menos resultado, do que se esperava, no potencial de corte de gastos.

No final das contas, ainda que prevaleça o contingenciamento, e despesas com a pandemia corram por fora, o teto ainda pode ficar ameaçado. Detalhe: não adianta contar com aumento de receita, se vier a esperada retomada do crescimento, porque o teto limita o aumento de despesas, independentemente de se ter ou não reforço de caixa. Enfim, mesmo com toda a conversa sobre responsabilidade fiscal, o Orçamento ainda é uma obra de ficção, que pode exigir mais ajustes ao longo do ano e até novas manobras, como jogar despesas para 2022, quando haverá folga maior do teto. O aumento autorizado das despesas no próximo ano terá como referência uma inflação bem mais alta que a deste. A aprovação do Orçamento apenas parece uma página virada, por mais que agora se demonstre disposição política para o encaminhamento de outras prioridades da pauta econômica, como as tão esperadas reformas.

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