Sonhadora, Dayana Candido já quis ser nova Glória Maria, mas encontrou prazer na formação de jovens

Como não havia turma de jornalismo na faculdade de sua cidade, educadora escolheu a assistência social e percebeu que transformar vidas é satisfatório

  • Por Fabi Saad
  • 18/02/2021 08h00
  • BlueSky
Karine Cristina Nunes Reis A educadora Dayana Cristina de Souza Candido ajuda jovens aprendizes a ingressar no mercado de trabalho

A Mulher Positiva da coluna desta semana é Dayana Cristina de Souza Candido, 30 anos, a mais nova dos três filhos de dona Ana e de seu Paulino. Sua mãe, auxiliar de limpeza, estudou até a quarta série, pois teve que cuidar dos irmãos mais novos. Seu pai, mecânico industrial, concluiu o ensino médio e realizou cursos na área industrial. Os dois inspiraram a menina criada em Bebedouro, no interior de São Paulo, a sonhar. Ela primeiro sonhou em ser a nova Glória Maria, mas se encontrou na docência. No Senac há sete anos, hoje essa intraempreendedora (pessoa que pratica o empreendedorismo dentro de uma empresa) trabalha para que jovens trilhem o seu caminho de sucesso. “Sonho em ter um projeto social para jovens em situação de vulnerabilidade social, especialmente na minha cidade, para que eles tenham acesso a atividades multidisciplinares e maiores oportunidades para entrar no mercado de trabalho, assim como eu tive”, contou.

1. Como começou a sua carreira? Comecei aos 16 anos como jovem aprendiz de uma empresa industrial, a Citrosuco. Na época, eu nem sabia do que se tratava esse programa de inserção de jovens no mercado de trabalho. Foi por meio de uma ligação do meu pai dizendo que a “firma” estava contratando jovens, que era para eu levar currículo, que iniciei minha carreira. Atuei como auxiliar administrativa nos departamentos de RH, logística administrativa, departamento fiscal e serviços gerais administrativos. Essa oportunidade de poder atuar em setores diferentes dentro de uma mesma empresa me fez conhecer e descobrir minhas habilidades e possíveis áreas de interesses. Quando adolescente, tinha o sonho de ser jornalista, me imaginava a próxima Glória Maria da TV Globo, já que na época eram poucas as referências de mulheres negras. Ela me inspirava muito, afinal, eu gostava de me comunicar. Não foi possível realizar o curso devido à não formação de turma na faculdade da minha cidade. Já que gostava de trabalhar com pessoas, de me relacionar (descobri isso como jovem aprendiz), depois de um ano, escolhi o serviço social. Após ser aprendiz, fui operadora de caixa em uma loja de comércio de roupas infantis e para adultos e recepcionista de uma escola particular. Já formada em serviço social, busquei oportunidades para atuar na área, então fui assistente social em duas prefeituras do interior, atuando com adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas. Nos dois últimos anos da faculdade, descobri uma curiosidade pela docência: duas professoras me inspiraram muito pela forma de ensinar e o amor com que faziam. Depois de um ano atuando como assistente social, passei em um processo seletivo no Senac de São Paulo, instituição onde atuo há sete anos. Como docente, desenvolvo jovens aprendizes para o mercado de trabalho com foco em três pilares: pessoal, profissional e social; desenvolvo projetos educacionais com foco em inovação; crio conteúdo; e atualizo documentos institucionais. Como disse Paulo Freire: “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas mudam o mundo”. Acredito nisso e quero fazer parte da mudança das pessoas, já que almejo um mundo melhor.

2. Como é formato do seu modelo de negócios? Não tenho modelo de negócios, por mais que desenvolvo projetos pessoais e profissionais. Tenho algumas ideias empreendedoras, mas ainda está em análise, fase de levantamento de demanda e aplicabilidade. Me compreendo como uma intraempreendedora ou empreendedora corporativa.

3. Qual foi o momento mais difícil da sua carreira? Ser mulher negra em um ambiente corporativo. Sempre existem desafios, dificuldades, ainda mais para uma jovem. Imagina você em uma indústria, em um ambiente majoritariamente masculino, fazendo parte do RH com 16 anos, ser respeitada em relação aos documentos e prazos era difícil. Aos poucos, fui ganhando meu espaço, mas a autocobrança era enorme. Lembro-me da minha gestora dizer que eu deveria fazer “mais coisas erradas”, coisas de adolescente, sabe. Eu já era muito responsável, aquela coisa de ser boa o tempo todo, não relaxava. Agora, citando uma situação difícil, na qual realmente eu não sabia o que fazer, foi aos 23 anos, quando eu estava trabalhando na Prefeitura de Barretos como assistente social. A coordenação me chamou dizendo que, devido aos cortes no projeto, estava me desligando. Na hora eu fiquei sem chão, não sabia o que pensar, o que fazer, foi estranho, pois eu tinha saído de um trabalho “estável”, com carteira assinada para assumir aquela vaga. Foi difícil lidar com o sentimento de rejeição e impotência.

4. Como você consegue equilibrar sua vida pessoal x vida corporativa/empreendedora? No início da pandemia, foi difícil equilibrar, ter em um mesmo ambiente seu trabalho, academia, seu lazer e descanso. Era confuso. Os três primeiros meses foram os mais desafiadores, fui equilibrando como dava, e às vezes não dava. Compreender que tudo bem foi um processo que trabalhei muito na terapia. No segundo semestre de 2020, consegui realmente me organizar. Claro que, às vezes, nem tudo sai como planejado. E tudo bem! Estabeleci que faria o máximo para entregar o trabalho dentro do tempo estimado, priorizei isso para conseguir realizar as outras atividades. Passei alguns meses no interior, na casa dos meus pais, e pela primeira vez consegui realmente curtir a minha cidade depois de sete anos morando fora, com calma, sem a correria em que sempre estava quando os visitava nos feriados prolongados. Acordar com os passarinhos cantando, minha cachorra dando bom dia todos os dias na janela, me fez reconectar comigo mesma e dar valor às coisas simples. Estabeleci o mesmo horário para acordar todos os dias, comecei a fazer treino funcional três vezes na semana. Eu gosto de correr, então, nos outros dias, a corrida me ajuda a lidar com minha ansiedade. Como tenho o privilégio de morar no litoral, em Santos, normalmente essa atividade acontece na praia, o que já me possibilita a conexão com a natureza. Organizei meus estudos, pois faço uma pós-graduação em projetos e estudo inglês, fora os outros cursos rápidos. A noite tomo chá, faço uma leitura, assisto a uma série  — acreditem, eu não gostava de séries. Tento equilibrar meu lado pessoal com uma rotina de autocuidado, mesmo que por poucos minutos do dia. Eu sempre fui muito acelerada, fazia muitas coisas ao mesmo tempo, não me permitia o ócio, mas 2020 me fez parar e rever quais escolhas eu faria para um 2021 mais consciente, assertivo e saudável. No profissional, estou sempre me atualizando, estudando, lendo, trocando e aprendendo de forma intencional, gosto do Linkedin, me conecto com ótimos profissionais, aprendo muito. Para este ano, estou com a meta de escrever mais na rede. Cuido da minha espiritualidade, sempre me conecto com Deus, todos os dias faço minhas orações, uma breve meditação, também estudo para ser uma pessoa melhor, para mim e para o outro.

5. Qual seu maior sonho? Gosto muito de sonhar, sou aquela sonhadora que sonha e logo já está planejando (risos), gosto de projetos. Sonho que o mundo seja um lugar melhor para se viver, principalmente para as minorias, as mulheres, os negros, os LGBTQIA+. Que realmente as oportunidades sejam iguais para todos. Quero continuar fazendo parte dessa transformação. Sonho que um dia tenhamos uma educação de qualidade para todos, pois só assim diminuiremos as tantas desigualdades. Educação liberta. Sonho em ter um projeto social para jovens em situação de vulnerabilidade social, especialmente na minha cidade, para que eles tenham acesso a atividades multidisciplinares e maiores oportunidades para entrar no mercado de trabalho, assim como eu tive. Sonho em conhecer mais minha origem, saber de onde vieram meus ancestrais e me conectar com minha história.

6. Qual sua maior conquista? Dois mil e vinte me possibilitou reconhecer as pequenas conquistas do dia a dia, tipo “Pequenas Alegrias da Vida Adulta”, do Emicida. Lidar melhor com a culpa, confiar no processo, diminuir a ansiedade, me cobrar menos, contar minha história para profissionais, jovens e adultos como forma de motivá-los, sem julgamentos, como realmente ela é, com todas as vulnerabilidades, foi a vitória de um processo de três anos, pelo menos. Essas são conquistas pessoais, pois acredito que, sendo uma pessoa melhor para mim, serei para o outro. Como conquista profissional, foi um dos projetos que realizei, que foi um documentário intitulado “Foco nos Fatos e Pessoas Reais”, que teve como objetivo a valorização e conhecimento das histórias de todos os profissionais da empresa em que atuo. Possibilitar com que todos pudessem conhecer a essência das histórias dos colegas que conviviam, seus sonhos e descobertas como educadores, foi muito emocionante. Acredito no poder da transformação. Como disse Michelle Obama: “Conseguir ter uma voz se relaciona diretamente com o quão confortável você se sente na sua própria história”. Que tenhamos voz.

7. Livro, filme e mulher que admira. Dois livros que mudaram minha percepção e fizeram me reconhecer enquanto mulher negra, um que li em 2019, e o outro, em 2020. Em 2019, li “Minha História”, de Michelle Obama. Conhecer a história de uma das mulheres mais influentes do mundo, seus medos, alegrias, sua essência, sua família, a história como ela realmente é, sem lentes, me fez refletir que podemos e devemos contar nossas histórias, que de alguma forma nos conectamos e assim vemos o quão forte somos quando estamos juntas. Já em 2020, a leitura que me marcou foi “O olho Mais Azul”, de Toni Morrison. A forma como a história daquela menina é narrada, sua força… O olho mais azul é o cabelo liso que queríamos ter, o nariz fino e tantas outras características que nos disseram que não eram autênticas e necessárias. Um filme que marcou foi “Estrelas Além do Tempo”. Emocionou-me e continua emocionando. Quantas portas aquelas mulheres abriram, o quanto inspiraram, mesmo a história tendo sido contada tardiamente? Mulheres me inspiram o tempo todo, todos os dias, minhas colegas de trabalho, tão competentes, minha gestora, as mulheres do prédio onde moro, minhas amigas com quem divido apartamento. Profissionalmente, tenho me conectado e acompanhado algumas como Rachel Maia, Jandaraci, Luiza Helena Trajano, Elisangela Almeida, Lisiane Lemos, Monique Evelle, Luana Génot. Essas me inspiram pelo tanto que estão fazendo pela diversidade e inclusão no mundo corporativo. Os textos, projetos, livros e indicações. Hoje faço parte do grupo Mulheres do Brasil – Comitê Igualdade Racial. Todas aquelas mulheres me inspiram. Somos força!

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

  • BlueSky

Comentários

Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.