Atualização na Lei de Improbidade é necessária e contribuirá para melhor equalização do sistema

Até o momento, legislação serviu para inibir e combater desvios na prática administrativa, mas também fundamentou inquéritos e ações arbitrárias; projeto foi aprovado na Câmara e segue para o Senado

  • Por Fernando Vernalha
  • 27/06/2021 08h00
Michel Jesus/Câmara dos Deputados - 10/06/2021 Plenário da Câmara dos Deputados vista a partir do lado esquerdo, com os bancos vazios e dois deputados em pé (além de outros oito em pé na mesa diretiva) Projeto de lei que altera regras para punir casos de improbidade administrativa foi aprovado na Câmara com 408 votos a favor e 67 contra

Na última semana foi aprovado na Câmara dos Deputados, com 408 votos a favor e 67 contra, o projeto de lei que propõe mudanças relevantes na legislação sobre improbidade administrativa no Brasil. Sua principal novidade diz respeito à própria caracterização da prática de improbidade, que passaria a depender da demonstração da intenção (dolo) do agente em alcançar o resultado ilícito. Atualmente, a lei não é clara em relação a isso, sendo que a jurisprudência prevalente, embora exija a comprovação do dolo do agente para a caracterização de grande parte das hipóteses de improbidade, a dispensa nos casos de ocorrência dano ao erário. Além disso, o projeto de lei restringe as hipóteses de improbidade por violação aos princípios da administração pública a situações específicas, com vistas a trazer maior segurança jurídica para a aplicação da lei aos casos concretos. Agora o texto vai à votação no Senado e, se aprovado, seguirá para a sanção presidencial.

A atualização proposta me parece bem-vinda. Ao longo de seus quase 30 anos de existência, a Lei de Improbidade serviu para inibir e combater desvios na prática administrativa. Mas também fundamentou inquéritos e ações arbitrárias, que se propunham a penalizar gestores públicos bem intencionados, cujos atos se basearam em entendimentos técnicos e jurídicos divergentes daqueles que prevaleceram nos órgãos de controle. Nestas situações, caso destas escolhas resultasse lesão ao erário, independente da demonstração da intenção do agente em buscar o resultado ilícito, estaria caracterizada a improbidade. O resultado foi que as graves sanções associadas a práticas de improbidade passaram a ser aplicadas a agentes públicos (e privados) destituídos da intenção de cometer ilícitos ou de lesar o erário.

Com isso, ampliou-se, ao longo dos últimos anos, o risco da responsabilização de gestores públicos probos por práticas de improbidade, contribuindo para a disseminação do fenômeno do “apagão das canetas”. Submetidos a um risco ampliado de responsabilização, os administradores públicos deixaram de decidir, provocando uma crise de ineficiência na atividade decisória das administrações públicas. Esse panorama foi retratado em um artigo que publiquei ainda em 2016, chamado de “O Direito Administrativo do Medo”. Esse alargamento do conceito de improbidade acolhido pela legislação atual teve reflexos também nos custos de transação dos negócios público-privados. Afinal, a responsabilização pelas práticas de improbidade relacionadas à contratação pública tem alcançado os contratados privados. Esse passou a ser um risco percebido por investidores e parceiros do poder público em geral. O projeto de lei aprovado na Câmara dos Deputados pretende corrigir estas distorções, exigindo a demonstração do dolo, como intenção consciente do agente para a produção do resultado ilícito, para que a prática de improbidade esteja caracterizada.

Outra disfunção do atual regime de improbidade que o projeto de lei pretende corrigir é o risco de penalização de agentes públicos e privados fundamentadas em interpretações abstratas do direito ou em mera divergência de concepções técnicas ou jurídicas. Quanto a isso, apesar de o projeto seguir admitindo a caracterização da improbidade por violação a princípios da administração, a restringe a hipóteses bem especificas. Além disso, dispõe que a ação ou omissão do agente público que decorrer de mera divergência interpretativa da lei, quando fundamentada em doutrina e jurisprudência, não configura prática de improbidade. Todas estas inovações contribuirão para uma melhor equalização do sistema de improbidade no Brasil. Tal não significa relaxar no controle sobre os desvios e a corrupção. Estes devem seguir sendo punidos exemplarmente. Mas a lei precisa distinguir o joio do trigo, práticas de desonestidade de práticas de mera ilegalidade, agentes mal intencionados de agentes bem intencionados, para fins de responsabilização e penalização. Se é verdade que um regime excessivamente punitivista pode ser eficaz para punir infratores ímprobos, ele também acaba penalizando os probos. E os custos econômicos e sociais que decorrem desta disfunção do regime certamente não compensam os benefícios gerados. É preciso, portanto, promover uma recalibragem no sistema da improbidade. E, para isso, todas estas atualizações propostas pelo projeto de lei serão fundamentais.

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