A irracionalidade do negacionismo contra a transparência total eleitoral no Brasil

STF e TSE rejeitam mudanças que aprimoram o sistema eletrônico de votação, mas a PEC 135 falha por não garantir a recontagem física de 100% dos votos

  • Por Jorge Serrão
  • 17/05/2021 14h32 - Atualizado em 17/05/2021 14h34
José Cruz/Agência Brasil urna eletrônica sobre uma mesa após votação Sistema de urnas eletrônicas foi implantado em 1996

É inaceitável, incompreensível e irracional o negacionismo oficial em relação ao aprimoramento do modelo de votação eletrônica e contra a transparência total eleitoral. Mesmo que passe no Legislativo, a mudança tende a ser refutada e questionada na cúpula do Judiciário. Há 25 anos, o eleitor brasileiro é obrigado a aceitar o dogma do resultado eletrônico inquestionável por um trâmite sigiloso eleitoral. Isso não é legítimo. A Câmara dos Deputados tem até outubro para aprovar a implantação do voto impresso pela urna. O limite legal é um ano antes da realização das eleições de outubro de 2022. A luta por uma (re)contagem pública dos votos, viabilizada pelo sistema impresso, promete ser o ponto de maior conflito e tensão entre o Poder Supremo e os Poderes Executivo e Legislativo. Praticamente a unanimidade do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral – excetuando-se, talvez, novos ou integrantes mais recentes – rejeita mudanças no modelo eleitoral brasileiro. Não há explicação lógica para o verdadeiro negacionismo em relação à transparência total do resultado das eleições. STF e TSE obrigam a nação a aceitar o dogma do resultado eletrônico irrefutável. A “Justiça” Eleitoral lançou uma campanha institucional em defesa do sistema vigente que não tem transparência total, apesar das narrativas oficiais em contrário.

Acontece que uma leitura mais atenta da PEC 135 revela que, se ela for aprovada do jeito que está, pode criar mais problemas para a segurança eleitoral do que o sistema de urnas eletrônicas no qual somos obrigados a aceitar no dogma do resultado sem questionamento legal. O texto em processo de tramitação na Câmara dos Deputados não soluciona a demanda pela contagem pública de votos para atestar, realmente, se o resultado eletrônico foi verdadeiro e correspondeu à vontade do eleitor. A PEC pode ser aprovada e seguir valendo o que acontece desde 13 de maio de 1996, quando foi lançado o sistema de urnas eletrônicas no Brasil. Voto impresso não basta! Não assegura a transparência total eleitoral de um mecanismo de escolha honesto e seguro. “Auditoria” não é a mesma coisa que contagem pública de votos. Auditoria implica judicialização. Sinônimo de lentidão no moroso judiciário brasileiro. Recontagem, não! É imediata, logo depois da votação. Pela proposta da PEC 135, a auditoria poderá ser feita a qualquer tempo, mediante  postulação de processo judicial junto ao TRE (Tribunal Regional Eleitoral). A tendência é que a queixa acabe no TSE, o que poderá levar meses ou anos. Outra falha é que a auditoria ocorreria apenas por amostragem de 5% ou 10% sobre os votos impressos – o que não constata a totalidade da fraude (se ela ocorrer de verdade).

A segurança administrativa, ética, moral e jurídica de um processo eleitoral honesto exige que o mecanismo de escolha, além do avanço gerado pela votação eletrônica, também permita que todos os votos sejam contados fisicamente na apuração, imediatamente depois de encerrada a votação. A eleição só termina realmente com a proclamação do resultado conferido, no qual o resultado eletrônico tem de ser igual ou apurado pelo voto que a urna eletrônica imprimir. A PEC 135 tem uma falha imperdoável de origem: só prevê auditoria, e não recontagem completa dos votos. Ou seja, praticamente nada muda em relação ao sistema em vigor há 20 anos, que o establishment, o STF e o TSE não desejam mudar.

Felizmente, o grupo Convergências elaborou uma Nota Técnica enviada para todos os senadores e deputados. É imprescindível que o Presidente Bolsonaro, a autora do projeto, deputada federal Bia Kicis, e o presidente da comissão e relator da PEC, deputados federais Paulo Eduardo Martins e Filipe Barros, leiam o documento crítico e atentem para a proposta de emenda substitutiva proposta pelo grupo. O Presidente Bolsonaro e o parlamento brasileiro não podem correr o risco de aprovar uma emenda à Constituição que provoque mais desastre institucional e que não assegure a lisura e transparência total do processo eleitoral eletrônico – um avanço em rapidez, porém ainda uma dúvida em termos de credibilidade objetiva. O Brasil merece ter o mais avançado processo de votação, com garantia de toda segurança. Voto eletrônico + recontagem total dos votos impressos pela urna é possível e desejável. Pena que a PEC 135 não garanta isso. Se a PEC não for modificada, para regulamentar a recontagem pública de 100% dos votos impressos pelas urnas eletrônicas, o modelo continuará sem transparência.

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