Luta pela liberdade 1: como o Judiciário pode virar ferramenta de opressão a serviço de ditaduras

‘Quem abre mão da um pouco da sua liberdade para ter segurança acaba não tendo nem segurança, nem liberdade’; Bolsonaro usará esse comentário na campanha para denunciar o risco democrático no país

  • Por Jorge Serrão
  • 27/12/2021 14h16 - Atualizado em 27/12/2021 14h39
Dida Sampaio/Estadão Conteúdo - 31/05/2020 Durante uma lotada manifestação pró-Bolsonaro em Brasília, mulher exibe cartaz verde e amarelo com a mensagem Supremo Tribunal Federal é alvo de inúmeros protestos desde o início do governo Bolsonaro

Perdão pelo plágio-paródia, Marx e Engels: “O espectro do totalitarismo ronda o mundo”. No Brasil, quem diria, é o Judiciário quem organiza a assombração. Nosso Judiciário não é o “poder seduzido pelo golpe”. Nem é “moderador”. Ele é o “poder orquestrador” do golpe institucional. Prepara a chegada do ditador. “Ativismo judiciário” é uma expressão romântica para “golpe de Estado em andamento”. Esse debate deve ser imediatamente iniciado. A ditadura da toga é quem está tentando parir uma ditadura (travestida com aspectos democráticos) que impeça a nação de desmantelar os cartéis, cartórios e criminosos que pilham nossa pátria em benefício de uns poucos. Liberdades civis, gradualmente abolidas, são os alvos. Adversários políticos são perseguidos e presos. Magistrados interpretam as leis em excesso e mandam cumprir a exceção. Assim, servem de instrumentos de perseguição aos adversários políticos e de lideranças populares. Basta criticar e desafiar a Republiqueta do Togaquistão para ver o que acontece.

Em golpes supostamente “democráticos”, usando a “legislação em vigor, em nome da ordem”, o Judiciário se transforma em ferramenta de opressão e repressão da vontade popular. Apenas países nos quais a magistratura não é carreira de Estado, mas, sim, função pública exercidas de forma rotativa, alternada, avaliada e submetida a regras de “aderência aos interesses do povo”, com controle externo de verdade, é que o Judiciário não foi usado contra a democracia. Por isso, cabem perguntas fundamentais: como alertar a população de que os ditadores do século 21 dão golpes mais sutis do que os do século 20? Chegam ao poder pelo voto democrático e aí acabam com a democracia. Como preservar a democracia e a alternância de poder desses novos ditadores travestidos de lideranças populistas?

O golpismo mudou de configuração. Em geral, a democracia sempre foi golpeada por corruptos, golpistas midiáticos e políticos inescrupulosos em muitos países nas últimas cinco décadas. Invariavelmente chegam ao poder manipulando a mídia (sempre comprada com dinheiro sujo), aproveitando o uso de mobilizações em massa conjugado com força militar. São centenas de exemplos assim. Depois de saquearem o país, pilharem a população, os ditadores se mudam para um país desenvolvido, pedindo (comprando) asilo político para viver, nababescamente, com suas famílias por gerações.

Os países vítimas de ditaduras raramente conseguem se recuperar da mesma forma. As cicatrizes deixadas na economia, no tecido social, são absurdamente profundas. A Turquia é um bom exemplo. Hoje conduzida com mão de ferro por um ex-jogador de futebol que virou prefeito e sempre foi populista. Em 2014, tornou-se presidente. Segundo o Centro de Liberdade de Estocolmo (SCF), Recep Tayyip Erdogan forjou, em 2016, uma tentativa de golpe militar contra seu governo e, em reação, assumiu poderes ditatoriais para “preservar a democracia turca”. Tudo hoje fartamente documentado de que foi uma grande farsa para justificar que ele, Erdogan, estava dando um golpe de Estado, com todo apoio dos veículos de comunicação dom país e boa mobilização popular.

Analisando vários golpes aplicados usando os mecanismos democráticos, encontramos dezenas de exemplos assim. Na Nicarágua, o presidente Ortega, que chegou ao poder pelo voto, manda o STF deles prender todos os candidatos de oposição. E colocou a polícia para reprimir manifestações populares. Na Venezuela, os ditadores Hugo Chávez e Nicolás Maduro prenderam opositores, criaram milícias paramilitares, controlam os veículos de mídia e reprimem toda e qualquer manifestação popular. Em comum, esses regimes promoveram um aparelhamento da máquina judiciária, da polícia, passando pela promotoria, até a magistratura, controlando os tribunais superiores.

A receita é a mesma e é bem simples: os ditadores e corruptos chegam ao poder com engodos publicitários, promessas de ganhos fáceis para todos os grupos de mídia e de distribuição de riquezas infinitas a todos. Já no poder, alegam que “forças ocultas” não estão deixando e até mesmo impedindo eles de cumprirem suas promessas de felicidade e riqueza. Então, começam a repressão. Próxima fase, o famigerado “controle social da mídia” para impedir que os cidadãos de bem se organizem e para obrigar a população ao adestramento e à servidão aos poderosos que aderirem aos planos de uma “suave ditadura”. São estruturados pequenos cartéis a serem distribuídos aos grupos da elite local que aderirem ao golpe. Esses carteis agem em bloco, drenando a riqueza gerada no país para os bolsos de poucas famílias que, em contrapartida, pagam propinas e financiam a corrupção que se generaliza. E tudo às custas da miséria da população, que cresce de forma diária. Parece até que nós, brasileiros, já assistimos a esse filme antes, não é mesmo? (Continua…)

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