Apesar do que Dias Toffoli disse, Constituição do Brasil não prevê poder moderador

Parlamentares reagem à declaração de ministro sobre o exercício do “poder moderador” pelo STF; usurpação de competência de outros poderes pode significar um golpe de Estado

  • Por Jorge Serrão
  • 17/11/2021 15h34 - Atualizado em 18/11/2021 02h32
Rosinei Coutinho/SCO/STF Dias Toffoli Em Lisboa, Toffoli afirmou que o Brasil vive um presidencialismo com STF como poder moderador

O maior problema do despotismo nem sempre é o déspota – ou os déspotas. Lamentável é quem concorda com o ditador de plantão. Triste é quem tem medo dele. Deplorável é quem discorda do tirano, mas aceita o jogo imposto por ele. Mais assustador é quem se recusa a enxergar que sua liberdade e a dos outros é ameaçada e afrontada pelo abominável esquema autoritário – na maioria dos casos, atualmente, muito bem disfarçado por ilusionismos de regimes com aspectos supostamente “democráticos”. É assim que o campo fica aberto para os arroubos autoritários, abusos de autoridade & poder e para o cinismo & hipocrisia de alguns que se apresentam, se oferecem ou se impõem como “moderadores” do regime. Entendeu? Ou precisa desenhar?

Sem que a maioria sem noção tenha se dado conta, o Brasil acaba de ser vítima daquilo que os historiadores e cientistas políticos poderiam batizar de “Golpe do Fado”. A doideira veio diretamente de Portugal. Mais precisamente do 9º Fórum Jurídico de Lisboa. O evento é organizado pelo supremo magistrado Gilmar Mendes. Mas quem roubou a cena (e a narrativa) foi o seu supremo colega. José Antônio Dias Toffoli proclamou: “Nós já temos um semipresidencialismo com um controle de poder moderador que hoje é exercido pelo STF”. Toffoli aprofundou sua tese – que, na verdade, é uma constatação: “O sistema presidencial tem muita força, mas o Parlamento é a centralidade, na medida em que é no Parlamento que se formam os consensos das elites regionais, sendo a Justiça sua fiadora”.

O advogado Antônio José Ribas Paiva postou a mais sensata crítica à afirmação de Toffoli: “O ministro equivocou-se. Não existe semipresidencialismo, nem poder moderador do STF, porque tais artifícios não têm previsão constitucional, e, portanto, ferem o princípio de literalidade. Além disso, a usurpação de competência é ilegal, porque põe em risco a Unidade do Estado, de responsabilidade exclusiva do Chefe de Estado. Abuso de autoridade não é poder moderador. É crime. E a usurpação da competência é golpe de Estado”.

Nada de anormal, nem de surpreendente. Toffoli apenas corroborou, reafirmou, ratificou e confirmou aquilo que qualquer um com a mínima leitura da realidade brasileira já constatou: Quem tem a hegemonia política no Brasil é o “Poder Supremo”. O PS opera acima de tudo e de todos – se duvidar, até acima de Deus (para quem ainda acredita Nele). Como diria o craque rubro-negro Bruno Henrique, o Poder Supremo “está em outro patamá”. Invocando e interpretando a prolixa Constituição de 1988 e se aproveitando do regramento excessivo no Brasil, o tal “Poder Supremo” se apresenta como “moderador”. Assim, os ‘imperadores togados’ podem tudo, já que ficam no patamar acima do Executivo, do Legislativo, do Judiciário e do Militar. O problema fundamental é que os togados não são eleitos para governar. Poder Supremo não existe. Supremo é o povo.

Nem adianta chamar o VAR. O Poder Supremo também controla o “árbitro de vídeo”. Contra as decisões do Poder Supremo, só cabe o recurso da reclamação. Acontece que “quem reclama já perdeu” (como bem nos ensinou o genial jornalista e velhaco comunista João Saldanha). Manda, de fato, e até de Direito, no Brasil, quem manipula (ops, interpreta), de maneira suprema, a Constituição. Pouco importa se é legítimo. O Poder Supremo faz tudo parecer legal. Assim, manda quem pode e obedece quem não tem outro jeito.

Essa monstruosidade institucional é viabilizada pela péssima qualidade da Constituição Federal em vigor. O regime do crime institucionalizado, cujo mecanismo se apossa da máquina estatal brasileira, se beneficia da insegurança jurídica. No fundo, tudo de errado acontece por causa da inadequação, incompetência, negligência ou canalhice de quem ocupa os poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e Militar. O povo apenas assiste a tudo bestificadamente. Como bem xingaria o “filósofo” Tiririca, “bando de abestados” – incluindo os abastados (que se acham o último e melhor biscoito do pacote jogado no lixo da história). Os segmentos esclarecidos da sociedade brasileira perdem tempo na “guerra de narrativas”. Sobrevivem reféns de problemas estruturais. Deixam de focar em pensar, debater e implantar soluções reais. Isso tem de mudar. Que tal um mandato de 10 anos para ministros do STF, a fim de oxigenar o Poder Supremo?

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

Comentários

Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.