Barroso joga militares na guerra institucional entre STF e Bolsonaro

Conflito entre ministros do Supremo e presidente da República tende a ir além da eleição; não existem condições jurídicas para revogar a graça constitucional que Bolsonaro concedeu a Daniel Silveira

  • Por Jorge Serrão
  • 25/04/2022 12h03
GABRIELA BILó/ESTADÃO CONTEÚDO Luís Roberto Barroso é ministro do Supremo Tribunal Federal Em seminário via internet, Barroso afirmou que Formas Armadas estão sendo orientadas a atacar o sistema eleitoral brasileiro

Tem tudo para se prolongar o conflito institucional entre uma maioria do Supremo Tribunal Federal (STF) e o presidente da República. Agora, um outro elemento, as Forças Armadas, foi definitivamente colocado no teatro de operações da “guerra de todos contra todos”. Tudo pela falha de visão estratégica ou uma perigosa imperícia política de um um ministro do STF. Luis Roberto Barroso exagerou ao afirmar que os militares “teriam recebido suposta orientação para efetuar ações contrárias aos princípios da democracia”. O ministro da Defesa, general de Exército Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, soltou nota oficial para condenar a “ilação ou insinuação” de Barroso. A Comissão Interclubes Militares (Militar, Naval e da Aeronáutica) também publicou um manifesto indagando: “Aonde quer chegar o STF?”. As entidades manifestaram “incondicional apoio ao presidente da República em seu esforço para sustentar a democracia e a liberdade de expressão no país”.

A tensão subiu depois que o presidente Bolsonaro, em 21 de abril, concedeu uma “graça” (perdão) ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) – que, na véspera, fora condenado a 8 anos e 9 meses de prisão pela maioria esmagadora (10 a 1) do STF. Ficou evidente que a decisão surpreendente e juridicamente incontestável de Bolsonaro deixou a Corte Suprema e a oposição completamente “sem-graça” e explicitamente desesperada. O Supremo não tem o que fazer, pois sempre referendou a legalidade e a constitucionalidade inquestionável de indultos concedidos por ex-presidentes da República. E agora ainda consegue complicar a situação institucional e (sem-querer) turbinar a reeleição de Bolsonaro com a condenação a Daniel, os discursos internacionais anti-Bolsonaro e a recente crítica às Forças Armadas. A imagem suprema ficou ainda pior perante a maioria da opinião pública – o que é péssimo para um Brasil que deseja liberdade, segurança, justiça e o fim da impunidade.

Alguns ministros do STF têm jogado, perigosamente, no “varejo da política”. Embora digam o contrário, parecem ignorar a delicadeza e gravidade do momento político polarizado vivido pelo país. Por isso, a reação oficial do Ministério da Defesa à declaração de Barroso (em um seminário internacional via internet) é o mais consistente contra-ataque ao (muito criticado) ativismo judicial praticado pela cúpula da Corte Constitucional: “Afirmar que as Forças Armadas foram orientadas a atacar o sistema eleitoral, ainda mais sem a apresentação de qualquer prova ou evidência de quem orientou ou como isso aconteceu, é irresponsável e constitui-se em ofensa grave a essas Instituições Nacionais Permanentes do Estado Brasileiro. Além disso, afeta a ética, a harmonia e o respeito entre as instituições”. O texto militar reavivou conceitos da  Escola Superior de Guerra (ESG), instituição que formulou a “Doutrina de Segurança Nacional” – sempre criticada por ministros progressistas do STF, até a pressão para a recente revogação da Lei de Segurança Nacional (versão de 1983).

O argumento equivocado e inconsistente de Barroso não produziu uma “crise militar” – como alguns segmentos equivocados da mídia tentam sugerir. Mas o discurso falho dele conseguiu unir os militares. As “Legiões” se consideraram “ofendidas gravemente”. Assim, uma boa parte que hesitava no apoio a Bolsonaro – fazendo críticas ao presidente nos bastidores dos quartéis – passou a hipotecar apoio quase irrestrito à reeleição do comandante-em-chefe das Forças Armadas. Só vale a pena ficar bem claro um ponto. Ao contrário do que possa parecer, os oficiais-generais na ativa não farão campanha explícita em favor de Bolsonaro. Mas a tendência é que insistam, em pronunciamentos públicos, que as prioridades deles são a unidade da nação, da defesa da democracia e da liberdade. Os militares também vão cobrar que suas sugestões para aumento da segurança eleitoral sejam acatadas (e não atacadas) pelo Tribunal Superior Eleitoral, na reunião da Comissão de Transparência das Eleições – que acontece neste 25 de abril.

Jair Messias Bolsonaro tira evidente proveito político-eleitoral da confusão suprema. O presidente fez um discurso relâmpago, no domingo, claramente endereçado a alguns ministros do STF que têm exagerado nas críticas públicas a ele. Nas entrelinhas, deixa claro que a “graça” concedida a Daniel Silveira marca apenas a primeira de muitas jogadas mais intensas dentro das famosas quatro linhas constitucionais. Bolsonaro avisou, em apenas 49 segundos de vídeo: “Eu apenas hoje quero ser o porta-voz de vocês. E dizer que o que falarmos a partir de agora estou falando em nome de vocês, povo brasileiro. Nosso país não pode ficar refém de uma ou duas pessoas, não interessa onde elas estejam. Esta uma ou duas pessoas ou entram nos eixos ou serão simplesmente ignoradas da vida pública. Este é o meu trabalho. Vou continuar jogando dentro das quatro linhas, mas a partir de agora não admito que outras pessoas, uma ou duas, joguem fora das quatro linhas. A regra do jogo é uma só: respeito a nossa Constituição”.

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