Bolsonaro tem legitimidade para questionar o dogma do resultado eleitoral eletrônico imposto pelo STF/TSE

Presidente tem de insistir no debate sobre a transparência total da votação e apuração; país precisa de materialidade do voto, fim do esquema só eletrônico e escrutínio na própria seção eleitoral

  • Por Jorge Serrão
  • 16/05/2022 12h54
MATEUS BONOMI/AGIF - AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA/ESTADÃO CONTEÚDO Jair Bolsonaro Presidente Jair Bolsonaro

Informação preocupante obtida na pesquisa “Panorama Político 2022”, na qual uma equipe do Senado entrevistou 5.850 brasileiros nos últimos dois meses de 2021, em cinco regiões do país: 62% afirmaram ter vergonha de ser brasileiros, enquanto apenas 31% sentem orgulho de viver no Brasil. Ideologicamente, 21% se rotularam de “direita”, 11% de “esquerda” e 9% de “centro”, enquanto 55% não se identificam com nenhum dos três imprecisos rótulos. Em 2019, 29% disseram ser de direita, 18% de esquerda e 32% de centro. O mesmo levantamento mediu que 66% confiam no sistema eleitoral. Pelo menos 32% não confiam e 3% sequer souberam responder. O problema concreto é que, em uma democracia básica, o sufrágio universal não é uma questão de “fé” ou “confiança”. O sistema de votação tem de ser objetivamente seguro, com base na contagem pública dos votos. Infelizmente, aqueles que se acham “donos do poder” por aqui tentam interditar esse debate essencial para uma civilizada cidadania republicana (se é que temos uma, de verdade). A dúvida concreta é: por que somos obrigados a acreditar no “dogma” do resultado inquestionável proclamado por um trâmite sigiloso eleitoral que acontece dentro de um sistema de informática e longe dos olhares (profanos) do cidadão-eleitor-contribuinte?

Motivo de polêmica constante, desde os históricos protestos do falecido socialista Leonel Brizola até hoje com o direitista-conservador Jair Bolsonaro, o modelo brasileiro de votação sempre é tratado como um “dogma imexível”. Vide o discurso do próximo presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, em recente encontro da Associação de Magistrados do Brasil, na Bahia: “Imprensa livre, eleições periódicas transparentes e Poder Judiciário independentes. São os três pilares da democracia. Esses três pilares da democracia passaram a sofrer de uma forma ou outra, nos vários países democráticos do mundo, ataques e corrosão a um deles, às vezes, aos três deles. Mas não mais ataques com armas, não mais golpes militares. Passaram a sofrer ataques coordenados por milícias digitais nas plataformas. Essas milícias digitais, esses núcleos são extremamente bem organizados, bem coordenados e extremamente perigosos. Afetam, como eu disse, e tentam sempre afetar, a credibilidade da imprensa livre, as eleições periódicas transparentes, a legitimidade das eleições. E eu tenho certeza que o Supremo Tribunal Federal, como todos vocês aqui, nós vamos garantir a democracia no Brasil com eleições limpas, transparentes, por urnas eletrônicas. Em 19 de dezembro, quem ganhar vai ser diplomado nos termos constitucionais. E o Poder Judiciário vai continuar fiscalizando e garantindo a democracia”.

A última frase do trecho selecionado da fala de Alexandre de Moraes a seus pares togados é a prova de um fenômeno institucional que vai muito além do chamado “ativismo judicial”. Trata-se do protagonismo do Judiciário sobre os demais poderes – o que também tem sido definido como “Juristocracia”. Seria até válido, se tal regime fosse reconhecido como legítimo pela Ciência Política. Só que não é, nem pode ser, porque nem deveria existir. A divisão dos poderes é bem clara (ou deveria ser). Depende de um equilíbrio dinâmico. O Poder Legislativo faz leis e fiscaliza o Executivo (que administra). Essas são funções de autoridades eleitas pelo povo – aquele que, de verdade, é “Supremo” em uma democracia. O povo detém o Poder Originário. O povo escolhe vereadores, deputados, senadores, prefeitos, governadores e o Presidente da República. O povo tem a capacidade de trocar os representantes, na próxima eleição, se não ficar satisfeitos com eles. Já os juízes, sobretudo por não serem eleitos, não têm como função criar leis nem políticas públicas. Muito menos devem administrar a coisa pública: a economia, a saúde, a educação e a segurança pública. Política partidária – ou algo parecido – nem pensar. Interpretar as Leis fora do espírito delas menos ainda. Nada disso é republicano, nem democrático. Assim, a Juristocracia não é legal (mesmo que pareça) e nem é legítima. Pedindo licença poética ao pensador político-jurídico Norberto Bobbio, até um imbecil tem certeza disso! Quem fiscaliza e garante a democracia é o Povo. Replay: “Supremo é o Povo”.

Por tudo isso, o povo brasileiro não pode abrir mão do aprimoramento de seu sistema eleitoral. Esse debate imprescindível não pode, de modo algum, ser interditado por mera vontade da cúpula que controla a administração da eleição – que nem deveria ser judiciária, mas, sim, popular. A regra é clara! O sufrágio universal é intrínseco à democracia. Ou um indivíduo decide por todos, ou alguns decidem por todos ou todos decidem por todos, com o sufrágio definindo o interesse da maioria. A vontade majoritária se aplica a todos. O escrutínio público do voto livre é inerente ao sufrágio universal. Além de ser parte da essência democrática, a materialidade do voto é Constitucional. Passa pelo sentido básico de democracia – a plena legalidade com legitimidade. Há duas razões para materializar o voto, em face do cidadão que vota e pelo povo. É fundamental o escrutínio público. A contagem pública do voto é inquestionável. A publicidade no processo de votação é imprescindível.

Votação eletrônica é um avanço, porém incompleto. Registro eletrônico do voto não é voto. É apenas um dado. Na democracia, o voto precisa de existência material. O voto não é secreto. Isto é lenda. Se o voto é contado, ele é conhecido. O exercício de votar que é secreto, para proteger a liberdade de escolha, sem identificação, para não ser coagido. A sua vontade, que está na sua consciência, é a expressão do voto no sufrágio universal. A contagem do voto não pode ser secreta, em um sistema eletrônico fechado. Dessa forma, o debate não é “informático”. Não é tecnológico e muito menos tecnocrático. A questão é política. Por isso, a discussão precisa acontecer com as premissas certas e sem vaidades pessoais, pretensos argumentos jurídicos, infantilidades políticas ou ódios injustificáveis.

Resumindo: o sistema eleitoral brasileiro precisa de três coisas básicas: materialidade do voto, proibição do voto puramente eletrônico e escrutínio na própria seção eleitoral, com fiscalização direta e, até, filmagem por celular. Essa solução precisa ser entendida pela maioria da classe política – cuja falha, incompetência ou omissão abrem espaço para a “juristocracia” agir, sem a menor legitimidade. É importante saber que técnicos do Ministério da Defesa já sabem o que é preciso para dar materialidade ao voto (a partir dos conceitos baseados no recém-apresentado Projeto de Lei 943/2022). Novidade boa? As atuais urnas podem ser adaptadas, a custo muito baixo, para se tornarem máquinas de terceira geração, ainda nesta eleição 2022. Basta vontade política do Legislativo. Basta um pouco de tolerância e respeito do STF/TSE pela democracia verdadeira. Basta que o Executivo promova a discussão correta, sem paixões e equívocos conceituais. E basta muita, mas muita, pressão popular. Não bastam fé na urna e no resultado eleitoral.

Democracia não é mera participação popular. Democracia é exercício pleno de Poder. É Segurança do Estado de Direito. Exatamente por isso, a legitimidade do processo eleitoral não depende de “confiar” no resultado final proclamado pelo gestor da votação eletrônica. Confiança vem de confidere (fé). Confiar é atribuir fé. Acontece que, no Estado laico, não tem que atribuir fé a ninguém ou a coisa alguma. Inclusive porque, no Brasil, os requisitos da administração pública estão no artigo 37 da Constituição Federal: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Nenhum desses princípios tangencia a fé. Daí cabe a pergunta básica: Somos obrigados a ter fé no “trâmite sigiloso eleitoral” do Tribunal Superior Eleitoral ou na infalibilidade da urna eletrônica ou do sistema de votação? Claro que não! Isso não é republicano. Eleição não pode deixar nem permitir dúvida em seu resultado. Precisamos de Justiça, Honestidade, Legalidade e Transparência no processo eleitoral. O resto é consequência.

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