Comandante supremo das Forças Armadas, Bolsonaro fala grosso, mas generais não se afinam com hipótese de golpe

Presidente faz discurso mais duro contra o membros da Corte Suprema e da autoridade eleitoral; tríplice citação de que é o ‘chefe supremo’ (pelo menos das Forças Armadas) assustou oposição

  • Por Jorge Serrão
  • 08/06/2022 12h02
Foto: Isac Nóbrega/PR Jair Bolsonaro Em tom inflamado, nesta terça-feira, 7, Bolsonaro voltou a dizer que poderia descumprir decisões judiciais

A milenar sabedoria chinesa (na Teoria do Weiji) ensina que uma perigosa situação de crise também representa, nela mesma, uma oportunidade para solucionar o problema. Do ponto de vista institucional, tudo indica que o Brasil esteja vivenciando seu momento mais crítico e truculento. Fica cada vez mais tenso e desequilibrado o confronto aberto entre os Poderes da República. Por deficiência na Constituição (claramente congressualista) em um sistema de governo presidencialista (e não parlamentarista), ou por oportunismo na luta pela hegemonia do poder, o ativismo do Judiciário tem assumido um protagonismo sobre o Executivo e o Legislativo. O equívoco tem ocorrido e se acentuado com a omissão e conivência da classe política. Mesmo sem previsão constitucional e legitimidade para isso, o poder togado (não-referendado pelo voto popular) tem se imposto como “moderador” sobre aqueles que são eleitos pelo povo para a finalidade de governar e fazer as leis. O problema se agrava quando e porque uma espécie de “juristocracia” tenta se colocar acima de tudo e de todos, como se estivesse “governando” os destinos da Nação (Povo + Território). A crise se agrava porque os poderosos da capa preta se adonam da gestão do processo eleitoral – que é um fato administrativo, e não Judiciário, que deveria estar sob controle político e direto do povo (o cidadão-eleitor-contribuinte).

Integrantes da Corte Eleitoral brasileira – o atual presidente Luiz Edson Fachin e o próximo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes – têm repetido, publicamente, fora dos autos e das sessões de julgamento, que o TSE poderá punir e até mesmo cassar (ou seria caçar?) os mandatos dos candidatos que “divulgarem fake news”. Embora não exista lei definindo o que é FN (Notícia falsa, em inglês), o alto-comando do TSE tem exposto a situação brasileira internacionalmente. Na terça-feira, 7, Fachin advertiu a membros da Associação de Correspondentes Estrangeiros (de imprensa) que o tribunal está preocupado com a desinformação nas eleições e avisou que a Justiça Eleitoral poderá “sancionar” (ops, “legislar” e impor?) alguns comportamentos. No dia 31 de maio, o TSE realizou um encontro fechado para a imprensa, denominado “Sessão Informativa para Embaixadas: o sistema eleitoral brasileiro e as Eleições de 2022”.

Foi nesse evento aos estrangeiros que Moraes antecipou a 68 diplomatas a sanção que o TSE promoveria contra os candidatos “disseminadores de fake news”. Fachin discursou na ocasião: “Convido o corpo diplomático sediado em Brasília a buscar informações sérias e verdadeiras sobre a tecnologia eleitoral brasileira, não somente aqui no TSE, mas junto a especialistas nacionais e internacionais, de modo a contribuir para que a comunidade internacional esteja alerta contra acusações levianas”. Os diplomatas até participaram de uma simulação eleitoral, usando duas urnas eletrônicas. Curiosamente, a disputa foi “esportiva”. Apontou o Clube de Regatas do Flamengo (apenas por coincidência o time pelo qual este articulista torce, fanaticamente) como o “melhor do Brasil”. Segundo o site oficial do TSE, “o placar indicou 21 dos 57 votos registrados – uma vitória com 36,84% dos votos válidos. O resultado, contudo, enseja um segundo turno de votação (para sorte das torcidas dos outros clubes brasileiros).

Quem não gostou desse marketing internacional – e desaprovou, mais ainda, as ameaças diretas de Fachin e Moraes aos candidatos que espalharem fake news – foi Jair Bolsonaro. No lançamento do programa “Brasil Pela vida e pela Família”, no Palácio do Planalto, nesta terça-feira, 7, o presidente e pré-candidato à reeleição aproveitou o embalo da decisão imposta pela segunda turma do STF, por 3 a 2, confirmando a condenação do TSE que cassou o mandato do deputado paranaense Fernando Francischini (União Brasil-PR) – e também exterminou (ops, eliminou) o voto de 427.749 eleitores. Bolsonaro acusou o TSE de tentar criar jurisprudência para perseguir opositores. “Será que três no Supremo Tribuna Federal que podem muito, podem continuar achando que podem tudo? Tem de haver uma reação”. Lembrando, pelo menos três vezes, que era o “comandante supremo das Forças Armadas”, Bolsonaro classificou de “estupros à democracia” os recentes discursos “internacionais” de Edson Fachin e Alexandre de Moraes. O presidente também reclamou da ilegitimidade dos membros da Justiça Eleitoral para fazer um evento com diplomatas (usurpando uma atribuição constitucional do Presidente e do Itamaraty – o ministério das Relações Exteriores do Brasil).

O comandante-em-chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica fez um de seus mais contundentes discursos contra os membros da Justiça Eleitoral – que, por coincidência, também são membros do Supremo Tribunal Federal. Bolsonaro voltou a invocar o direito à liberdade para criticar a segurança do sistema eleitoral: “Eu confio nas máquinas, não confio em quem está atrás das máquinas”. Depois de chamar Fachin de “marxista-leninista, advogado do MST”, Bolsonaro pegou ainda mais pesado contra a “juristocracia”: “Fui do tempo em que decisão do Supremo não se discute, se cumpre. Fui desse tempo, não sou mais”. Foi aplaudido e acrescentou: “Certas medidas saltam aos olhos dos leigos. É inacreditável o que fazem. Querem prejudicar a mim e prejudicam o Brasil”. Bolsonaro não foi explícito sobre a possibilidade de descumprir uma decisão judicial, ainda mais “suprema”, porque isso poderia enquadrá-lo em crime de responsabilidade, por pregação à desobediência legal. Mas o presidente deixou bem claro que não deixará de discutir, debater, decisões supremas que julgar incorretas ou injustas. Na prática, o presidente declarou guerra aberta aos juristocratas.

O momento crítico demanda um debate sobre o modelo institucional equivocado. O protagonismo político de membros do STF é um problema de difícil reversão na atual composição da Corte. Já passou da hora de debater o modelo da Justiça Eleitoral (uma criação da Era Vargas). Vale questionar porque a gestão da eleição tem de ser feita por um órgão do Judiciário, se o processo eleitoral é administrativo, cidadão. Também é fundamental indagar por que precisa haver uma coincidência, derivada do equívoco originário de “judiciário eleitoral”, para que o TSE seja comandado por membros do Supremo Tribunal Federal. Além disso, e acima de tudo, o povo brasileiro não pode ser impedido, por nenhuma “autoridade”, de discutir a possibilidade de aprimoramento do sistema eleitoral com a contagem pública do voto (que é um pressuposto fundamental da Democracia e seu Sufrágio Universal).

Além de tudo isso, eleições precisam ser livres! Não restam dúvidas de que representa um perigoso atentado à democracia (Segurança do Estado de Direito) o ato de cassar um deputado por uma conduta que não é crime e não está prevista em nenhuma lei. Mais grave ainda: o STF e o TSE firmam jurisprudência para punir candidatos que fizerem críticas ao sistema eleitoral em 2022. Fato concreto e incontestável: o Brasil mergulha, perigosamente, no caos institucional e na insegurança jurídica. Tudo é provocado, intencionalmente ou não, pelo Poder Judiciário – quem deveria zelar exatamente pelo respeito à liberdade, à legalidade e à legitimidade.

Só não resta dúvida de que a crise institucional brasileira se acentua, se agrava e pode não terminar bem. No entanto, apesar do duríssimo discurso do comandante supremo das Forças Armadas contra o sistema STF-TSE, não existe hipótese planejada de algum tipo de golpe, sobretudo militar, para interferir em uma ruptura institucional que só não é reconhecida na fantasiosa narrativa de quem vem agindo contra a Lei e a Ordem no Brasil. Os generais só insistem na firme intenção, respaldada pelo presidente da República, de que oficiais e técnicos do Centro de Guerra Cibernética devem acompanhar todas as fases do sistema eletrônico de votação. Nos bastidores, os militares repetem, exaustivamente, um mantra de um influente general de Exército: “Nas Forças Armadas de hoje não há hipótese de atuarem fora dos limites constitucionais. O Almirantado ou o Alto Comando do Exército ou da Aeronáutica jamais acatariam ordem emanada de qualquer autoridade nesse sentido. Nos enoja ter que, a todo momento, elaborar desmentidos, como agora na questão das urnas eletrônicas”.

Para que cada um possa avaliar e julgar, com a própria consciência, vale a pena acompanhar a íntegra dos 27 minutos de discurso em que o Presidente Jair Bolsonaro criticou o STF-TSE.

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