Megaevento de Moraes deixou dúvida se era a simples posse de um presidente do TSE ou a coroação de um imperador

Presidente do TSE deixa claro que a intervenção da Justiça Eleitoral será mínima, porém célere, firme e implacável, para coibir práticas abusivas ou divulgações de notícias falsas ou fraudulentas

  • Por Jorge Serrão
  • 17/08/2022 15h46
Wilton Junior/Estadão Conteúdo - 16/08/2022 O ministro Alexandre de Moraes toma posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao lado do também empossado vice-presidente do TSE, Ricardo Lewandowski, do ex-presidente e candidato à presidência pelo PT, Luiz Inácio Lula da Silva, da ex-presidente Dilma Rousseff, e as esposas dos ministros Alexandre de Moraes recebeu convidados ilustres em sua posse como presidente do TSE

A posse histórica, pomposa, cheia de recados e repleta de simbolismos de Alexandre de Moraes na Presidência (do Tribunal Superior Eleitoral) indica que o Brasil tem uma gravíssima crise institucional a superar o mais depressa possível. O evento reafirmou a hegemonia do Judiciário sobre os demais poderes, o Executivo e o Legislativo. Tanto que, em atitude calculada politicamente, Alexandre frisou em seu discurso de estadista com 10 minutos de duração: “A Justiça Eleitoral não poderia comemorar melhor, e de uma maneira mais honrosa, seus 90 anos de instalação. Com a presença nessa cerimônia de nosso chefe de Estado e governo, presidente Jair Bolsonaro; do presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco; do presidente da Câmara dos Deputados, deputado Arthur Lira; do nosso presidente do Supremo Tribunal Federal, chefe maior do Poder Judiciário e orgulho de todos os magistrados, ministro Luiz Fux; bem como dos ex-presidentes da República. E com a presença de 22 governadores de Estado [Moraes lista os nomes], demonstrando a força e a importância do nosso federalismo para a Justiça Federal”.

Merece destaque imagético a presença de quatro ex-presidentes da República na festividade do TSE: José Sarney, Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer. Sentaram-se sob um tapete persa! Faltaram os Fernandos. O Henrique Cardoso (por problema de saúde, mas que mandou mensagem). O Collor de Mello, candidato a governador de Alagoas, não justificou a ausência. Os presidenciáveis Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) também apareceram. Sem dúvida, foi a maior festa ao longo de 90 anos da Justiça Eleitoral. Só ficou a dúvida se era a simples posse de um presidente do TSE ou se era a coroação de um imperador. Tanto faz! Importa é que todos aplaudiram efusivamente Alexandre. Exceto Bolsonaro, e os supremos magistrados indicados por ele: Kássio Nunes Marques e André Mendonça

A tese geral, midiaticamente vendida do megaevento político, foi a do “fortalecimento da Justiça Eleitoral“. Acontece que o simbolismo real vai muito além disso. Na prática, Alexandre de Moraes mostrou todo seu Poder (com P maiúsculo). Politicamente, foi conveniente a todos que lhe renderam a homenagem da presença. Quem não fosse, receberia o carimbo de “mal-educado”, “intolerante” e (pior ou mais grave) “inimigo da democracia”. Mas o resumo da ópera é que o evento foi um show máximo do ativismo (político) judiciário. Não foi à toa que Alexandre de Moraes finalizou o discurso interpretando, na visão dele, o que significava a presença de todos (os “poderosos”) “demonstra que é tempo de união, é tempo de confiança no futuro e, principalmente, é tempo de respeito, defesa, fortalecimento e consagração da democracia. Viva a democracia, viva o Estado de Direito, viva o Brasil. Que Deus abençoe o povo brasileiro”.

Alexandre de Moraes mandou recados aos críticos da falta de transparência e segurança total do sistema eleitoral: “A vocação pela democracia e a coragem de combater aqueles que são contrários aos ideais constitucionais e aos valores republicanos de respeito à soberania popular permanecem nessa Justiça Eleitoral e nesse TSE, que continuamente vem se aperfeiçoando, principalmente com a implementação e a melhoria das urnas eletrônicas. O aperfeiçoamento foi, é e continuará sendo constante. Sempre, absolutamente sempre, para garantir total segurança e transparência ao eleitorado nacional, como demonstra a implementação da biometria que somente não foi finalizada em virtude da trágica pandemia causada pela Covid-19, onde os trabalhos de biometria precisaram ser suspensos”. Em tempo: Alexandre não tocou na necessidade e reivindicação popular para o avanço nas urnas eletrônicas, que deveriam ser, no mínimo, de terceira geração, viabilizando a impressão segura do voto para contagem na própria seção eleitoral, assim que encerrada a votação.

O presidente do TSE conseguiu produzir um discurso digno de estadista na defesa da Liberdade: “Tanto a liberdade de expressão quanto a participação política em uma democracia representativa somente se fortalecem em um ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das diversas opiniões sobre os principais temas de interesse do eleitorado e sobre os seus próprios governantes. A democracia não resistirá e não existirá, e a livre participação política não florescerá onde a liberdade de expressão for ceifada, pois esta constitui essencial condição ao pluralismo de ideias, que, por sua vez, é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático. Nesse cenário, a livre circulação de ideias, de pensamentos, de opiniões, de críticas, essa livre circulação visa a fortalecer o Estado Democrático de Direito e a democratização do debate no ambiente eleitoral. De modo que a intervenção da Justiça Eleitoral deve ser mínima, em preponderância ao direito à liberdade de expressão dos candidatos, das candidatas e do eleitorado”.

No entanto, Alexandre de Moraes fez uma ressalva relevante sobre o que deverá pautar sua atuação no comando da Justiça Eleitoral: “A Constituição Federal não permite, inclusive em período de propaganda eleitoral, a propagação de discursos de ódio, de ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático, tampouco a realização de manifestações pessoais — sejam nas redes sociais ou por meio de entrevistas públicas — visando o rompimento do Estado de Direito, com a consequente instalação do arbítrio. A Constituição Federal consagra o binômio liberdade e responsabilidade, não permitindo de maneira irresponsável a efetivação do abuso no exercício de um direito constitucionalmente consagrado, não permitindo a utilização da liberdade de expressão como escudo protetivo para a prática de discursos de ódio, antidemocráticos, ameaças, agressões, violência, infrações penais e toda sorte de atividades ilícitas. Eu não canso de repetir e, obviamente, não poderia deixar de fazê-lo nessa oportunidade, nesse importante momento: liberdade de expressão não é liberdade de agressão”.

O recado mais relevante de Alexandre de Moraes foi cristalino: “Liberdade de expressão não é liberdade de destruição da democracia, de destruição das instituições, de destruição da dignidade e da honra alheias. Liberdade de expressão não é liberdade de propagação de discursos de ódio e preconceituosos. A liberdade de expressão não permite a propagação de discursos de ódio e ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado de Direito, inclusive durante o período de propaganda eleitoral, uma vez que a plena liberdade do eleitor em escolher o seu candidato, sua candidata, depende da tranquilidade e da confiança nas instituições democráticas e no próprio processo eleitoral. A intervenção da Justiça Eleitoral, como afirmei anteriormente, será mínima, porém será célere, firme e implacável, no sentido de coibir práticas abusivas ou divulgações de notícias falsas ou fraudulentas — principalmente daquelas escondidas no covarde anonimato das redes sociais, as famosas fake news. Assim atuará a Justiça Eleitoral, de modo a proteger a integridade das instituições, o regime democrático e a vontade popular, pois a Constituição Federal não autoriza que se propaguem mentiras que atentem contra a lisura, a normalidade e a legitimidade das eleições”.

Resumindo: Alexandre de Moraes, mesmo exercitando um discurso de estadista, reafirma a hegemonia do Judiciário, principalmente no período eleitoral. Moraes deixa evidente que serão os magistrados e procuradores eleitorais os únicos responsáveis por julgar o que é ou não “fake news”. No final das contas, sem direito a polêmicas, o que valerá é a decisão soberana do aparato judiciário. Assim, nessa tão decantada “democracia”, a participação do povo fica secundária. Só tem de votar! O resto é com o Poder Judiciário. Quem reclamar, dependendo de como o fizer, pode receber uma reprimenda “democrática” dos julgadores. Assim, todo poder emana do povo, mas quem dá a palavra final é o povo togado. Enfim, é a (quase) juristocracia quem manda. Vota quem pode! E obedece quem tem juízo!

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