TSE, PT e PSDB foram algozes da Contagem Pública de Votos, que Bolsonaro deveria defender com clareza 

Não basta criticar o sistema eletrônico de votação, o debate é necessário para aprimorar o modelo; transparência e escrutínio público da votação são pressupostos constitucionais e democráticos

  • Por Jorge Serrão
  • 25/05/2022 12h52
ETTORE CHIEREGUINI/AGIF - AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA/ESTADÃO CONTEÚDO - 15/11/2020 Pessoa na cabine de votação nas eleições 2020 Projeto de Lei de Celso Russomano visa instituir o escrutínio público de votos e vedar o exercício do voto na modalidade exclusivamente eletrônica

A segurança do direito, base do regime democrático, não dá legitimidade à Justiça Eleitoral para adotar um modelo que corrompa o princípio básico do sufrágio universal: a transparência no escrutínio da votação. Não é relevante perder tempo se é ou não seguro o sistema de urnas eletrônicas. O fato concreto é que o Tribunal Superior Eleitoral promove um “trâmite sigiloso eleitoral”. O voto físico do eleitor não tem como ser conferido, muito menos “auditado”. Por isso, é fundamental que o cidadão-eleitor-contribuinte tenha o direito de debater e exigir a adoção da Contagem Pública dos Votos.

Especialistas asseguram que há tempo hábil, legal e condição econômica para o TSE implantar o voto impresso pela urna eletrônica. Assim, o resultado seguro, inquestionável, seria proclamado depois da comparação entre os números do Boletim da Urna (BU) e da contagem física de 100% dos votos na própria seção eleitoral. A dupla apuração ocorreria imediatamente após o encerramento da votação. Isso poderia acontecer se fosse aprovado o Projeto de Lei 943/2022, de autoria do deputado federal Celso Russomano (Republicanos-SP). A regra “institui o escrutínio público de votos e veda o exercício do voto na modalidade exclusivamente eletrônica”. O problema é que a cúpula do Judiciário — incluindo STF e TSE — rejeita qualquer mudança.

O Brasil não tem voto impresso pela urna eletrônica por dois motivos. Primeiro, por falta de vontade política do Congresso Nacional, que rejeitou uma Proposta de Emenda Constitucional sobre o assunto. Segundo, porque a Justiça Eleitoral não aceita alterações no modelo de votação eletrônica. Tanto que ministros do TSE — que, por coincidência, também são do STF (Supremo Tribunal Federal) — fizeram pressão, publicamente, para que parlamentares rejeitassem o aprimoramento no mecanismo de escolha eleitoral. A Justiça Eleitoral é abertamente contra a adoção do voto impresso pela urna eletrônica. Seus membros alegam que a inovação não funcionou direito na experiência feita, em 2002, com 7 milhões de eleitores em 150 municípios e no Distrito Federal.

Relatório do pleito de 2002, elaborado pelo TSE, sentenciou: “O resultado não foi positivo: a experiência revelou que a impressão do voto não trouxe maior segurança ou transparência ao processo de votação. Pelo contrário, o voto impresso criou transtornos diversos, como o aumento de filas, atrasos na votação (algumas seções eleitorais terminaram a votação já de madrugada), falhas nas impressoras e maior percentual de urnas eletrônicas com defeito. Por essa razão, o Colégio de Presidentes e de Corregedores da Justiça Eleitoral sugeriu, na época, a eliminação do voto impresso nas futuras eleições”.

Além do TSE e do STF (que já julgou inconstitucionais, duas vezes, propostas de introdução do voto impresso pela urna eletrônica, em 2009 e 2015), existem outros dois responsáveis, junto com o Congresso Nacional, pela rejeição ao aprimoramento da segurança do sistema eletrônico de votação: o PT (Partido dos Trabalhadores) e seu “primo” PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira). Foi o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quem sancionou a Lei Ordinária 10.704/2003 que revogou o quarto parágrafo da Lei 10.408, de 10 de janeiro de 2002, assinada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Não por coincidência, atendendo a um pedido da Justiça Eleitoral, quem sugeriu a mudança na regra foi o então senador tucano Eduardo Azeredo (PSDB-MG), autor do Projeto de Lei 1503/2003. Foi ele quem surgiu a regra que Lula revogou. Portanto, o petista é um algoz do voto impresso para a Contagem Pública de Votos — medida que o presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição, deveria defender com clareza, em vez de apenas criticar o sistema das urnas eletrônicas.

Para registro histórico, vale recordar a lei que FHC sancionou, mas que o TSE conseguiu revogar, com a conivência da hegemonia tucana no Parlamento e através da canetada de Lula. A Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, foi alterada pela Lei 10.408, de 10 de janeiro de 2002, para ampliar a segurança e a fiscalização do voto eletrônico. A regra era clara: “§ 4o A urna eletrônica disporá de mecanismo que permita a impressão do voto, sua conferência visual e depósito automático, sem contato manual, em local previamente lacrado, após conferência pelo eleitor. § 5o Se, ao conferir o voto impresso, o eleitor não concordar com os dados nele registrados, poderá cancelá-lo e repetir a votação pelo sistema eletrônico. Caso reitere a discordância entre os dados da tela da urna eletrônica e o voto impresso, seu voto será colhido em separado e apurado na forma que for regulamentada pelo Tribunal Superior Eleitoral, observado, no que couber, o disposto no art. 82 desta Lei. § 6o Na véspera do dia da votação, o juiz eleitoral, em audiência pública, sorteará 3% das urnas de cada zona eleitoral, respeitado o limite mínimo de três urnas por município, que deverão ter seus votos impressos contados e conferidos com os resultados apresentados pelo respectivo boletim de urna. § 7o A diferença entre o resultado apresentado no boletim de urna e o da contagem dos votos impressos será resolvida pelo juiz eleitoral, que também decidirá sobre a conferência de outras urnas. § 8o O Tribunal Superior Eleitoral colocará à disposição dos eleitores urnas eletrônicas destinadas a treinamento”.

A solução prática para a questão é política — mais legislativa e menos jurídica. Em vez de perder tempo e dar mais argumentos aos inimigos com meras críticas às urnas eletrônicas (contra as quais é praticamente impossível encontrar provas concretas de insegurança ou violação), o presidente Jair Bolsonaro deveria mostrar a força de sua base aliada para aprovar, em regime de urgência, o PL que implanta o escrutínio público dos votos. Claro que essa demanda será combatida pelo Establishment eleitoral e pela oposição perdida. Por isso, também é recomendável recalibrar o discurso. É inútil, pura perda de tempo, falar em “auditoria” do voto. O termo é “imbecil”. A auditoria é impossível, inviável, no atual sistema em que somos obrigados a aceitar o “dogma” da proclamação do resultado eleitoral eletrônico. Assim, ou o presidente ganha o jogo pela via legislativa, ou aposta em uma melhora da qualidade da próxima legislatura para ter consciência e aprimorar o sistema eleitoral brasileiro. O debate verdadeiro, sem emoção e sem mentiras, é imprescindível. Não existe Democracia real sem Contagem Pública do Voto.

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