Volta às aulas: Justiça deve decidir pela vida dos educadores ou pelos pais que não têm com quem deixar os filhos?

Se o recurso do governo de São Paulo for aceito, profissionais de educação ficarão expostos ao contágio, mas a decisão precisa avaliar também a situação das famílias dos alunos

  • Por Marcelo Escobar
  • 29/01/2021 17h11 - Atualizado em 29/01/2021 17h19
Werther Santana/Estadão Conteúdo - 07/10/2020 crianças sentadas em carteiras com distanciamento em uma escola. uma professora está no meio, com um quadro verde atrás. Professores ficarão expostos ao contágio com a volta às aulas; por outro lado, crianças não têm com quem ficar sem reabertura

Como noticiado, a volta às aulas presenciais no estado de São Paulo, que estava programada para o dia 1º de fevereiro, foi cancelada por uma decisão liminar proferida às 17h04 do último dia 28 pela juíza Simone Gomes Rodrigues Casoretti, da 9ª Vara da Fazenda Pública. Realmente, sopesar direitos fundamentais é tarefa árdua, mas quando de um lado está o direito à educação e, do outro, o direito à vida, tal como consignado na decisão em comento, o fiel da balança deveria pender pela proteção ao bem maior, a vida. Nesse sentido, a decisão baseou-se justamente na prevalência do direito à vida, destacando-se a preocupação com os profissionais do ensino: “Arriscar à saúde para a retomada das aulas presenciais, em locais onde a transmissão do vírus é intensa, sem vacinação dos profissionais da educação, pode gerar um aumento do número de contaminados e de mortos pelo vírus”.

O estado recorreu hoje cedo (08h36) – Agravo de Instrumento nº 2013164-66.2021.8.26.0000 –, destacando em sua petição que a decisão que suspendeu as aulas seria uma “grave lesão à ordem pública configurada na lesão à ordem administrativa – Decisão administrativa complexa – não Cabimento de Controle Jurisdicional”. Defende o governo paulista que as medidas sanitárias foram implementadas. Ao recurso, anexou-se, por exemplo, foto do CEEJA de Avaré, com adequação das salas para o retorno presencial, mostrando cada mesa estudantil com barreiras transparentes. Os argumentos foram considerados plausíveis, e a Justiça derrubou a liminar que impedia o retorno às escolas nas redes pública e privada.

Uma das conclusões extraídas da leitura do recurso do estado de São Paulo é a de que a determinação de retomada das aulas é um ato administrativo complexo, sendo “imperioso que o poder Judiciário se mantenha deferente em relação às decisões da administração pública”. Mais adiante, sintetiza sua pretensão da seguinte maneira: “o verdadeiro escopo do presente pedido de suspensão: permitir que o gestor faça seu trabalho (…)”, ressaltando que “não há como coordenar uma ação nacional e regional efetiva em um quadro de intervenção judicial generalizada e sistêmica sobre todas as decisões tomadas pelo governo estadual (…)”.
Ocorre que a discussão que se trava não é a simples análise do mérito da decisão administrativa – esta, sim, distante da competência do Judiciário –, mas a responsabilidade na condução dos assuntos públicos, o controle e participação sociais, e, principalmente, o dever de prestar contas e fundamentar – técnica, proporcional e racionalmente – as decisões tomadas (accountability).

Sem dúvida, o foco da discussão é a educação, mas é necessário pesar natureza transversal da questão, partindo do foco da educação, mas levando em consideração tanto a situação dos profissionais da educação, que estarão mais expostos ao contágio, quanto a situação dos pais, que precisam voltar a trabalhar e não têm condições de deixar as crianças sozinhas nem com os avós, pois eles estão inseridos no grupo com maior risco. Tudo isso com vistas a também privilegiar o direito à vida. Aguardaremos os próximos capítulos…

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