O paradoxo de Rose mostra por que usar máscaras em sala de aula

Estratégia nos lembra que aumentar muito as chances de exposição entre as crianças, mesmo que elas sejam menos vulneráveis, pode levar a números altos de casos

  • Por Mônica Magalhães
  • 12/09/2021 08h00 - Atualizado em 12/09/2021 12h20
LEANDRO FERREIRA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO Menino usa máscara de proteção na escola e pega álcool gel Na volta às aulas, todas os estudantes devem usar máscaras, álcool gel e manter o distanciamento social

Nos anos 80, o epidemiologista britânico Geoffrey Rose publicou um artigo que hoje é um clássico da área de saúde pública. Nele, Rose identificou que a estratégia tradicional da medicina para prevenir doenças é focada nas pessoas, ou subpopulações, de maior risco. Por exemplo, em vez de aconselhar todos os pacientes a comer menos sal, o médico aconselha apenas os pacientes hipertensos a mudar a dieta. O que faz sentido, por muitas razões: o tempo de consulta do médico, e acompanhamento nutricional, se necessário, são recursos limitados. Portanto, é lógico usá-los apenas nos casos em que é mais provável que sejam benéficos. O paciente hipertenso tem motivação para seguir os conselhos, sabendo que está correndo risco. Os pacientes não hipertensos, que têm pouca chance de se beneficiar destes cuidados, não perdem tempo nem se preocupam com mudar a dieta. Portanto, esta estratégia tem bom custo-benefício: o tempo dos médicos e dos pacientes é “gasto” da forma que leva à maior melhora na saúde dos pacientes.

Mas Rose identifica também problemas com esta estratégia. Ela pode, obviamente, falhar quando a identificação dos grupos de risco falhar. Menos obviamente, se o grupo de alto risco for suficientemente pequeno, e o grupo de baixo risco for suficientemente grande, a estratégia de focar nos mais vulneráveis não vai conseguir prevenir a maior parte dos casos da doença. Esse é o chamado paradoxo de Rose. Vamos tomar uma doença imaginária e imaginar que a população brasileira se divide em 200 milhões de pessoas de baixo risco (.01% ao ano), e 20 mil pessoas mais vulneráveis (10% de risco ao ano). Só por conta da imensa diferença de tamanho entre os grupos, a maioria dos casos a cada ano vai acontecer entre pessoas de baixo risco: 20 mil casos, contra 2 mil entre os mais suscetíveis. Portanto, uma medida de prevenção perfeita (que não existe, mas estamos imaginando…) dada ao grupo mais vulnerável evitaria 2 mil casos da doença, mas não os outros 20 mil. 

Desde o início da pandemia, sabe-se que os idosos são o grupo mais suscetível à Covid-19. Por isso, os priorizamos na vacinação. Em uma situação como a do começo deste ano, em que as vacinas eram muito escassas e não era possível cobrir a população inteira, era claramente correto priorizar os mais vulneráveis: assim prevenimos mais doenças severas e mortes por dose aplicada. Já crianças e jovens são considerados os menos vulneráveis, com menos chances de ser infectados e menos chances de doença grave e morte quando infectados. Esta percepção chegou às vezes até a ser generalizada, incorretamente, como “criança não pega Covid”. Com base nesta percepção, a importância de suspender aulas presenciais durante grande parte da pandemia também foi questionada, especialmente quando esta medida era percebida como sendo tomada apenas para proteger os mais velhos e mais vulneráveis. Agora, o Brasil se prepara para voltar a algo mais próximo da antiga normalidade, com aulas presenciais em escolas e universidades, mesmo com muitas crianças e jovens ainda não podendo se vacinar. Prestar atenção ao paradoxo de Rose nos lembra que aumentar muito as chances de exposição entre este grupo, mesmo que ele seja menos vulnerável, pode levar a enormes números de casos. E demonstra porque continua importante estender todas as medidas preventivas possíveis ventilação, máscaras e distanciamento social para toda a população.

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