Regulamentação do home office em Portugal: lei que proíbe mensagens fora do expediente deveria ser desnecessária

Este tipo de regra pode parecer inútil, porque os bons empregadores já seguem a norma, os maus só a seguirão se as multas previstas forem aplicadas, mas ainda não se sabe como a fiscalização será feita

  • Por Mônica Magalhães
  • 21/11/2021 08h00
Pexels/Pixabay braço de uma pessoa segurando um celular em frente a um notebook Portugal aprovou uma lei que proíbe empregadores de enviar mensagens a funcionários fora do horário de trabalho

Portugal acaba de passar uma lei proibindo empregadores de mandarem mensagens para seus funcionários fora do horário de trabalho. A lei faz parte de um pacote de medidas regulamentando o trabalho remoto, ou trabalho em home office. É uma lei que deveria ser desnecessária. Bons empregadores já respeitam o descanso de sua equipe, a não ser que se trate de uma verdadeira emergência ou caso de força maior. Infelizmente, também existem empregadores que tratam seus funcionários como se estivessem permanentemente de plantão, sem pagar por isso. A pandemia parece ter piorado essa situação, em parte por conta da disseminação do home office, que apaga a distinção entre estar em casa e estar no trabalho; e em parte por conta da crise econômica, que apertou os orçamentos das empresas e das famílias, levando uns a exigir mais e outros e tolerar mais, por medo do desemprego

Este tipo de lei pode parecer inútil: os bons empregadores já seguem a nova lei, os maus só a seguirão se as ameaçadas multas forem de fato aplicadas. E como a autoridade competente vai descobrir os descumprimentos da regra? Não encontrei a resposta na cobertura da imprensa, parece que muitas coisas ainda estão sendo definidas. Mas supõe-se que o empregado que está sendo contactado fora de hora teria de denunciar seu próprio empregador. Dados os riscos de retaliação e até de demissão envolvidos, pode-se imaginar que as denúncias não vão ser muito frequentes.  Mas leis não mudam nosso comportamento apenas através da imposição de custos, como multas ou pena de prisão para punir comportamentos indesejados. Leis também modificam normas sociais, e nossa percepção do que é normal e esperado. Leis tornando obrigatório o uso do cinto de segurança, ao longo de 24 anos, normalizaram mais a prática no Brasil. Fumar em ambientes fechados, que era normal, se desnormalizou nas várias partes do mundo que adotaram restrições. E relativamente rápido​​ a Lei Antifumo do Estado de São Paulo, por exemplo, é de 2009. Hoje, os fumantes se habituaram a buscar um espaço aberto para fumar. Em caso de violação da regra, espera-se que as pessoas ao redor notem e desaprovem. Se for o caso, também que se sintam mais respaldadas para reclamar, pois a lei formaliza para todos o pressuposto de que se deve usar cinto de segurança, ou que não se deve fumar em local fechado. 

Da mesma forma, uma lei como a portuguesa pode ajudar a mudar a cultura das empresas, e a cultura de trabalho de modo geral. Mudanças de cultura podem ser benéficas até nas empresas mais bem-intencionadas. Mesmo alguns empregadores que não exigem ou esperam resposta fora do horário de trabalho ainda assim mandam e-mails a todas as horas do dia e da noite. Mesmo que involuntariamente, esse costume pode fazer o empregado se sentir pressionado a responder e, portanto, a continuar a monitorar mensagens a toda hora, invadindo o horário de descanso e causando estresse e ansiedade. A simples existência da lei já expressa uma norma nacional de que não se deve mandar mensagens a toda hora, e estabelece uma regra geral para todos os empregadores. Dentro das empresas onde isso hoje é comum, quem não gosta de mandar ou receber mensagens fora do horário de trabalho se sentirá mais respaldado para resistir à prática. Assim, seguir a nova norma declarada na lei vai se tornando o novo padrão, e desviar da regra passa a exigir um bom motivo. Gradualmente, a prática de contactar funcionários a qualquer hora se reduz, e se torna cada vez menos normal.

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