É permitido achar o futebol feminino chato e sem emoção?

Nada a ver com o fato de serem mulheres em campo, como afirmam os ‘feministas de plantão’, mas o fato é que não há nenhum atrativo nas partidas nem mercado para a modalidade

  • Por Paulo Mathias
  • 01/08/2021 08h00
Richard Calls/Fotoarena/Estadão Conteúdo - 30/07/2021 De camisa amarela, calção azul e meião branco, a jogadora Tamires, da seleção brasileira, se prepara para dominar a bola com a perna esquerda A lateral esquerda Tamires durante o jogo que eliminou a seleção brasileira dos Jogos Olímpicos de Tóquio

Na manhã da última sexta-feira, antes de ir pra rádio, assisti ao jogo de futebol feminino das Olimpíadas que levou à desclassificação da seleção brasileira. Jogo chato e pouco atrativo. Isso me fez refletir sobre as possíveis razões para tal. O que permite que os jogos sejam tão “mornos”, tanto por parte das jogadoras, equipe técnica, como por nós, meros expectadores. Deixando de lado as diferentes interpretações que têm infestado a mídia durante as competições — de racismo, preconceito em relação às mulheres em campo e outros clichês justificativos — nada melhor reflete o comportamento dessa modalidade de esporte como a falta de “emoção” em campo. E digo mais: isso se repete também no atual futebol masculino, com menor intensidade, devido a novas regras impostas para os jogos, que “esfriam” o ritmo da partida e desanimam a plateia. Este artigo visa fazer uma análise baseada em fatos e sem paixões sobre o atual cenário desse esporte no Brasil. Vamos lá.

Na seleção brasileira de futebol feminino, quase conseguimos o ouro, em 2004 e 2008, além de um Mundial, em 2007. Nos anos seguintes, se comparado a outros países, que evoluíram bastante, tivemos uma queda acentuada nos resultados. Na Copa de 2015, não passamos das oitavas e, nos Jogos do Rio, chegamos à semifinal. Na Copa do Mundo sub-20, em três edições seguidas, obtivemos apenas uma vitória em dez jogos, contra Papua-Nova Guiné. Com o painel desses resultados nada animadores, me parece que, além de todas as características que envolvem esse tipo de esporte — e estou falando do futebol feminino em especial —, não há mercado, o que se reflete na falta de interesse dos espectadores. Se não há mercado, não há interesse, e cada vez mais as meninas do futebol vão sendo esquecidas. Nada a ver com o fato de serem mulheres em campo, como dizem os “feministas de plantão”, que buscam encontrar motivos que justifiquem a “discriminação” que existe, segundo eles, em vários campos da sociedade. Vamos simplificar as coisas. Falta paixão, euforia e entusiasmo que esportes como ginástica olímpica trouxeram pra nós nestas Olimpíadas, quando, por exemplo, Rebeca Andrade se apresentou, ao som do funk do MC João, “Baile da Favela”, e “levantou a galera”, como comentou seu coreógrafo Rhony Ferreira.

Dentre os fatores que desestimulam as próprias jogadoras do futebol feminino no Brasil é que a maioria de seus contratos tem duração de um ano, portanto seu “emprego” é garantido por esse período apenas. O que reafirma o ponto de vista de que o que impera é a falta de interesse por essa modalidade. Tanto é que, quando uma jogadora tem seu contrato finalizado, ela sai sem receber nada e nesse mercado não há “compra de passe”, justamente por ser um braço que não leva multidões aos estádios, muito menos é comentado em grupos distintos. Além do que, o fim de um ano no futebol feminino pode ser tão desanimador que, muitas vezes, significa o término do investimento de um clube. Quanto aos vencimentos que a maioria delas recebe mensalmente, mesmo as consideradas “destaques” do time, não ultrapassa dois salários mínimos. Mais uma vez, tudo fica claro. Pouca procura indica a inexistência de um mercado que acolha o futebol feminino, simples assim. Aos “questionadores de plantão”, que buscam razões mais profundas para o que me parece óbvio, busquem algo mais consistente para protestar. Aceitem os fatos como são.

O futebol feminino existe no Brasil há mais de 100 anos, embora tenha sido legalizado há apenas 26. No início, os jogos eram realizados de maneira escondida. Somente em 1983 surgiram os primeiros times profissionais no Brasil: o Radar, no Rio de Janeiro, e o Saad, em São Paulo. Os times grandes apareceram a partir de 1990, como o São Paulo e o Santos. Além disso, o primeiro Campeonato Brasileiro de futebol feminino organizado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) se deu no ano de 2013. Hoje, já existe a segunda divisão do Brasileiro, com competições de base, como o recente Brasileiro Sub-18. Assim como um novo regulamento da CBF determina que todas as equipes da primeira divisão do Campeonato Brasileiro masculino precisam ter um time feminino adulto e, ao menos, uma categoria de base. Muitas ações e poucos resultados. O que transparece nos jogos olímpicos deste ano e nas demais competições com a participação do nosso futebol feminino.

Cansativo, desmotivado, sem emoção. É esse sentimento que determina as qualidades de um atleta, em que deve ser perceptível a vontade e o brilho dos olhos, quando estão em campo. O futebol é o esporte de pegada, de grandes disputas, de encontrões e faltas, de bate bocas e opiniões divergentes, de momentos explosivos e vibrantes. Isso faz com que os atletas sejam idolatrados por uma massa gigante que acompanha o esporte. Pena que não se possa assistir a essa emoção no futebol feminino. Acredito que as novas regras, mesmo no caso do masculino, têm contribuído para desestimular a paixão que foi, um dia, o futebol. Recentemente, foi criado o VAR (árbitro assistente de vídeo), que analisa as decisões tomadas pelo árbitro principal por meio de imagens de vídeo e de uns auscultadores para a comunicação. O VAR deverá notificar o árbitro sobre erros nas marcações de um gol, de um tiro penal ou de um cartão vermelho. Com essas “paradas”, a sensação é de “esfriamento” da partida, o que interfere no entusiasmo de todos nós. Não bastando tudo o que foi dito, vale repensar que, colocando de lado interpretações tendenciosas, fica a constatação de que o futebol feminino carece de um mercado que acolha a modalidade com emoção. No entanto, esse sentimento não está à venda. Torço para que um dia o futebol feminino nos faça cantar juntos, como o fez a ginasta brasileira. Aplausos.

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