Constantino: Bolsonaro não é a incorporação do ‘povo brasileiro’ lutando contra corruptos

  • Por Rodrigo Constantino/Jovem Pan
  • 21/06/2019 06h07 - Atualizado em 21/06/2019 06h12
Marcos Corrêa/PR O presidente Jair Bolsonaro durante reunião ampliada com o presidente da Argentina, Mauricio Macri. Jair Bolsonaro venceu as eleições presidenciais com quase 58 milhões de votos

Há duas narrativas atraentes sobre o que se passa com a política nacional. Numa delas, Bolsonaro venceu com o apoio maciço do “povo brasileiro”, deixando-se de lado o fator do antipetismo, para tocar uma agenda de reformas liberais na economia e conservadoras no costume, que estariam amplamente respaldadas pela população, mas um Congresso dominado pela “velha política”, repleto de corruptos do establishment, não permite muitos avanços.

Já na outra versão dos fatos, um governo minoritário, que venceu uma eleição majoritária surfando a onda do antipetismo numa eleição plebiscitária sobre o lulismo, que também se alimentou do clima da antipolítica dinamizado pela Lava Jato, não se mostra capaz de formar base sólida no Parlamento, em parte porque não aceita o toma-lá-dá-cá de antes (presidencialismo de coalisão), e nesse vácuo deixado o Congresso assume maior protagonismo, como deveria ser numa democracia.

Não acho que ambas sejam excludentes, e encontro bases para defender cada uma delas. Talvez a verdade esteja em algum lugar entre esses dois extremos. Sim, Bolsonaro recebeu quase 58 milhões de votos, mas é bobagem acreditar que essa gente toda endossa suas principais agendas necessariamente. Houve um fator grande de antipetismo, ou seja, impedir a volta da quadrilha de Lula era a prioridade para muita gente, talvez a maioria.

Não obstante, é fato que Bolsonaro representa um esforço para se fazer política de uma forma diferente, e isso gera reação das “forças do pântano”, dos representantes do status quo, do “sistema”, do “deep state”, do establishment. Diante desse quadro, muitos bolsonaristas passam a demonizar o Parlamento e endeusar o presidente, confundindo sua função com a de um “déspota esclarecido”, uma espécie de imperador que incorpora a “vontade popular”.

Daí minha constatação de que a verdade provavelmente esteja no meio do caminho. Bolsonaro merece apoio em muitas das suas pautas, que terão forte resistência do “sistema” pelos motivos errados. Mas não é desejável uma defesa de um presidente que passe por cima do Congresso feito um trator, pois devemos fortalecer nossas instituições, não joga-las no lixo. O cenário é difícil, novo, e exige certa humildade dos analistas. Não é razoável cair numa narrativa binária e maniqueísta, por mais sedutora que seja. Bolsonaro não é a incorporação do “povo brasileiro” lutando contra corruptos por todos os lados, assim como o Congresso, apesar de ter direito a um maior protagonismo numa democracia como a nossa, infelizmente ainda está cheio de ratos.

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