Após repercussão negativa nacional e internacional, Temer ensaia recuo de portaria do trabalho escravo
O Governo de Michel Temer publicou, nesta semana, um conjunto de novas regras que, na prática, dificultam o combate ao trabalho escravo no país. Uma das principais mudanças diz, por exemplo, que para que haja a identificação de trabalho forçado, jornada exaustiva e condição degradante, é preciso ocorrer a privação do direito de ir vir, o que no Código Penal não é obrigatório.
A portaria deixa também nas mãos do ministro do Trabalho – e não mais da equipe técnica- a inclusão de nomes na chamada “lista suja”, que reúne empresas flagradas com trabalho análogo à escravidão.
Diante da forte repercussão negativa nacional e internacional, o Governo já prometeu que irá rever alguns pontos polêmicos da medida e fazer alterações na redação das regras por meio de uma nova portaria. Os críticos, no entanto, pedem a revogação total da mais recente portaria.
14 pontos da portaria do governo Temer que dificultam detecção e punições ao trabalho escravo
O volume das críticas às mudanças vieram num crescente desde então. A Organização Internacional do Trabalho mencionou os riscos de o país sofrer retaliações no mercado global. Antônio Carlos Mello do programa de combate ao trabalho escravo da OIT, considera que o País tem que aumentar a fiscalização para evitar impactos econômicos.
As mudanças atendem a uma demanda antiga da bancada ruralista no Congresso e ocorrem na semana em que a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara analisou a segunda denúncia contra o Temer no âmbito da Lava Jato.
O Ministério do Trabalho afirmou que a portaria “aprimora e dá segurança jurídica à atuação do Estado Brasileiro” no combate ao trabalho escravo. Mas não evitou que Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) recomendassem a revogação da decisão.
Ambos os órgãos disseram que portaria é ilegal, ao condicionar a caracterização do trabalho escravo contemporâneo à restrição de liberdade de locomoção da vítima.
Em 17 Estados do Brasil, fiscais do trabalho decidiram, inclusive, parar suas atividades desde quarta-feira em protesto à portaria. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, defenderam a revogação imediata do documento. A pressão é para que a portaria seja derrubada pelo presidente Michel Temer e devolva, por exemplo, a autonomia dos fiscais.
Agora, eles só podem registrar uma irregularidade se houver flagrante e com a presença de policiais. A medida também determina que para a caracterização do trabalho escravo seja constatada submissão do trabalhador sob ameaça de punição, com uso de coação, realizado de maneira involuntária.
Antes, para caracterizar o trabalho escravo, bastava o fiscal constatar o trabalho forçado, jornada exaustiva, condições degradantes ou restrição de locomoção por razão de dívida. Situações que normalmente são associadas a um Brasil arcaico que já não existe. O que é um erro, explica o o presidente da Comissão de Direito Empresarial do Trabalho da OAB SP, Horário Ferreira.
O já o ministro do Supremo, Gilmar Mendes, saiu em defesa da nova legislação ao ponderar que nem todos que fazem jornada exaustiva podem ser categorizados da mesma forma. O teto do salário de um ministro do STF é de 33 mil reais.
O Ministro da Agricultura, BLairo Maggi, garante que o pleito da bancada é legítimo: Há a expectativa de que o presidente Michel Temer faça alterações na portaria que mudou as regras sobre trabalho escravo editando uma nova portaria incorporando sugestões feitas pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, com quem o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, esteve duas vezes desde o início da polêmica.
Repercussão política
A medida causou fortes críticas por parte de diversos setores da sociedade. O senador Randolfe Rodrigues, da Rede, recorreu à Justiça federal de Brasília, nesta sexta-feira (20).
O parlamentar defende que a portaria dificulta o enfrentamento à fiscalização do trabalho escravo. Inclusive, há três projetos no Senado que pretendem alterar a portaria que modifica o conceito do crime.
Mas não foi só o Congresso que se mobilizou contra a medida. A ONU no Brasil divulgou uma nota manifestando preocupação com a portaria. Segundo o órgão, a alteração tende a dificultar as ações de combate ao trabalho escravo.
Por outro lado, a Confederação Nacional da Indústria defendeu a portaria do Governo. De acordo com a instituição, a decisão tomada não enfraquece a luta contra o trabalho escravo, tampouco abranda a legislação que conceitua o crime.
Com informações de Carolina Ercolin e Arthur Scotti, de Brasília
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