Interromper a vida de um feto é matar uma pessoa, e ponto final

Uma mulher abusada e violentada pode não querer carregar no corpo e na existência o fruto de uma gigantesca violência, mas esta violência não anula a de se assassinar uma vida no ventre

  • Por Adrilles Jorge
  • 03/10/2020 07h00
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Pixabay/Creative Commons Mulher grávida A legislação brasileira permite o aborto em caso de estupro, anencefalia ou risco à vida da mãe

Do ponto de vista biológico, o aborto é um tema bem simples e nada difícil. Há inseminação, há um princípio de vida. Há um embrião, ou seja, um conjunto de tecido em formação, há um princípio de vida. Há um feto, um ser humano com cabeça, tronco e membros que se alimenta e sente no ventre da mãe, há vida. E abortar um feto, interromper a vida de um feto é assassinar uma vida. Simples e direto assim. Sem filosofices e ideologismos. Interromper a vida de um feto é matar uma pessoa. Ponto. A discussão possível é sobre se um princípio de vida, ou seja, um embrião, pode ser considerado uma vida. Um conjunto de células em processo de estruturação ainda não tem o sentimento de uma pessoa. Já um feto, É UMA PESSOA. Frágil, dependente, com afeto, esboço de consciência. Uma falsa discussão, uma covarde e insensível discussão que se coloca é que este feto não teria uma vida subjetiva, um histórico de vida. Ora, imaginem um deficiente mental severo, com baixíssima capacidade cognitiva, com limitações de movimento, completamente dependente. Estaria em discussão a interrupção de sua vida? Alguém chamaria ao assassinato de um deficiente, de uma pessoa frágil assim, do eufemístico interrupção de vida, sem subjetividade? Talvez um nazista , um legítimo eugenista pensasse assim.

A legislação brasileira prevê o aborto em questões de risco de vida da mãe, em caso de estupro e em caso de anencefalia do feto (aí sim, há completa impossibilidade de vida subjetiva. Sem um cérebro, não há uma consciência individual). A opção, nestes casos, é da mãe. Uma mulher que teve um histórico de vida pode escolher se salvar ou se sacrificar em nome de uma humanidade maior — a de dar à luz uma continuidade de sua existência. Um ato heroico. Mas não se deve exigir heroísmo de ninguém. Uma mulher abusada e violentada pode não querer carregar no corpo e na existência o fruto de uma gigantesca violência. Mas esta violência não anula a violência de se assassinar uma vida no ventre. Continua sendo um assassinato. Em legítima defesa — não da sua vida — mas de sua psique, de sua saúde mental e emocional. Mas continua sendo um assassinato. Paradoxal assim, sem meios termos.

O valor absoluto de uma vida é sempre relativizado pela maneira de quem vê como resguardar este valor. Na nossa famigerada pandemia, o isolacionismo virou uma medida de salvação de vidas por hostes progressistas. Quem se insurgisse contra a medida, ainda que falando de maneira científica, contestando os resultados (que foram desastrosos) era visto como um insensível- ou genocida. Mas quem se coloca contra o aborto, em termos biológicos, ou seja, científicos, além de morais, se coloca, para a as hostes progressistas, como um cego que não enxerga a questão da saúde pública em que mulheres carentes praticam aborto em condições precárias enquanto moças ricas o fazem em condições ideais. Bem, condições ideais ou precárias não mudam a condição de assassinato de um feto — de uma pessoa — no ventre de uma mãe. A fragilidade de um ser humano no extremo de sua dependência é esquecida em favor da existência subjetiva histórica da mãe que já existe. Imaginem alguém dizer sobre a pandemia: ”Os velhos teriam que se sacrificar em vida pelos mais jovens”. Porque têm uma vida subjetiva e histórica mais longa.  É exatamente esta a lógica da vida subjetiva e histórica em detrimento de um feto abortado, de uma pessoa morta no ventre de uma mãe.

Sim, a vida não segue um receituário pronto. Há exceções insolúveis que exigem soluções trágicas de qualquer modo que se decida. Recentemente, uma garota de dez anos, abusada sistematicamente por um tio, fez um aborto, aos seis meses de gestação — com um feto no ventre — para salvar sua vida. Sua vida biológica, psicológica e moral. Uma garota de dez anos massacrada e abusada por um monstro não teria condições psíquicas de consciência de escolher o risco de se sacrificar em nome de seu filho. O sacrifício foi o de sua inocência. Ainda assim, é importante salientar: uma vida foi ceifada para salvar uma vida já massacrada, que teria a possibilidade de uma redenção no futuro. A pior culpa é quando não há culpa de ninguém. Neste caso, tragicamente, houve um assassinato — com justificativa moral — de um inocente. Paradoxal assim. Como a própria vida em vários casos.

Mas o paradoxo trágico do aborto desta menina é uma exceção. O perverso é quando as hostes progressistas tratam a regra como exceção e, pior, escondem soluções que poderiam melhorar a situação. Imaginem, por exemplo, fazer uma campanha massiva de prevenção à gravidez indesejada como a que se faz em prol do aborto? Por que discutir tanto a questão do aborto em vez de se fazer uma educação massiva sobre a prevenção de abusos dentro de uma educação afetiva-sexual com critérios morais de prevenção a abusos?

A própria propaganda massificante do direito ao aborto feita sistematicamente e conscientemente não enxerga as inúmeras outras soluções para evitar uma gravidez indesejada ou um abuso sexual, ou salientar a importância de uma identificação afetiva e moral com um parceiro sexual. Os discursos em prol do aborto que não enxergam e não dão luz a esta miríade de soluções que salvam vidas e impedem assassinatos de fetos – que impedem assassinatos de pessoas nos ventres de suas mães — iluminam as trevas do desprezo ao valor absoluto de uma vida. Estes discursos obscurantistas que ficam apenas na questão do direito ao aborto relativizam a própria vida e dessensibilizam a percepção do que é uma vida humana, na sua mais frágil condição.

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