Como quase tudo no Brasil, incêndio na Cinemateca já caiu no esquecimento

Setor cultural, na cabeça de muita gente, é um produto supérfluo; eles nunca vão compreender, porém, que a cultura é a identidade e a memória de um povo

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 02/08/2021 15h29
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RONALDO SILVA/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO Estabelecimento com corpo de bombeiros na frente após apagar incêndio Um incêndio atingiu o depósito da Cinemateca Brasileira, na Vila Leopoldina, na zona oeste de São Paulo, no último dia 29

Como quase tudo no Brasil, o incêndio na Cinemateca Brasileira já caiu no esquecimento. O caso revela o desprezo do governo à cultura do país. O setor cultural, na cabeça de muita gente, é um produto supérfluo. Eles nunca vão compreender que a cultura é a identidade e a memória de um povo. Um incêndio criminoso no que diz respeito ao interesse governamental para um setor completamente abandonado que já esteve nas mãos de um nazista declarado que, felizmente, parece ter desaparecido do cenário. Mais de um milhão de documentos destruídos, fruto do verdadeiro descaso. Essas pessoas nunca compreenderão o que representa a cultura para um país. Nunca. Quando o nazista deixou a Secretaria da Cultura, iniciaram-se aquelas cenas deprimentes com a atriz Regina Duarte, convidada pelo presidente Jair Bolsonaro a ocupar o cargo. Deu no que deu. E a ela, no final, “sobrou” a Cinemateca, completamente abandonada em São Paulo, como se não existisse. As cenas com Regina Duarte foram lastimáveis. Nunca tomou posse de nada e permaneceu numa ciranda de perversidades. Alguns meses antes do incêndio, o então prefeito de São Paulo, Bruno Covas, procurou o presidente Bolsonaro, pedindo autorização para a Prefeitura paulistana tomar conta da instituição. Bolsonaro disse não. E a Cinemateca ficou lá do jeito que estava, entregue à própria sorte, o que só pode acontecer num país sem responsabilidade com sua própria memória.

O tristemente engraçado é que, um dia após o incêndio, que queimou 60 anos de história, a Secretaria Especial da Cultura do governo federal publicou edital para a seleção de uma entidade privada sem fins lucrativos para gerir as atividades da instituição pelos próximos cinco anos. O edital foi publicado no Diário Oficial da União de sexta-feira, 30, informando que o contrato prevê um aporte de R$ 10 milhões anuais, mas que caberá ao contemplado procurar mais recursos. Só que a Secretaria Especial da Cultura devia saber que agora é tarde demais, e essa iniciativa nada mais é do que um ato de desfaçatez. O Ministério Público Federal divulgou na sexta-feira, 30, uma manifestação do incêndio na Cinemateca Brasileira, lembrando que há um ano havia entrado com uma Ação Cível Pública contra a União por abandono desse importante ponto da cultura nacional. O Secretário de Cultura culpou as gestões do PT pelo incêndio. Disse que a Cinemateca foi uma das “heranças malditas” dos governos apocalípticos do petismo, que destruiu todo o Estado para rapinar o dinheiro público e sustentar a imensa quadrilha da corrupção e sujeira criminosa.

Ainda na sexta-feira, 30, os funcionários da Cinemateca Brasileira divulgaram um manifesto comentando o incêndio, afirmando que tratou-se de “um crime anunciado”. Agora, a Polícia Federal assumiu a investigação, atendendo pedido da Secretaria da Cultura do governo federal. Convém lembrar que, no dia 20 de julho, o Ministério Público Federal em São Paulo alertou o governo para o risco de incêndio no local. Ninguém deu a mínima. Nove dias depois, a Cinemateca pegou fogo. É desanimador ver o setor da cultura brasileira merecer tanto descaso. É como se a cultura no Brasil fosse um lixo. Algo desnecessário. Pensam assim os grandes tiranos do mundo. Os que se julgam acima do bem e do mal. A atriz Fernanda Montenegro, exemplo cultural brasileiro, se manifestou pelas redes sociais, dizendo que o incêndio foi uma tragédia anunciada. Afirmou também que toda a nossa cultura das artes sofre um “cala boca” neste momento no país. Fernanda Montenegro assinalou que vamos renascer das cinzas, porque nenhum país vive sem cultura. As palavras de Fernanda soam como o fim de mais uma história brasileira provocada pelo descaso. Na verdade é. Resta-nos as palavras. As queixas. Mais nada. Neste cenário sombrio, tudo é cada vez pior.

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