Defesa do tratamento precoce na CPI da Covid-19 foi um triste espetáculo
Eminência não declarada da Saúde, Nise Yamaguchi tentou desacreditar a vacina e tomou até uma bronca do senador Omar Aziz; deplorável saber que o Brasil está nas mãos de gente assim
Se o Brasil depender daquilo que se viu nesta terça-feira, 1, na CPI da Convid-19, o melhor é fechar as portas e ir embora para qualquer outro lugar do mundo. O depoimento da médica Nise Yamaguchi foi constrangedor. Tem que ser respeitada, isso é evidente, mas certamente não levou muito a sério estar ali na mesa da CPI para responder perguntas dos senadores que formam a comissão. Meu Deus do céu, este país precisa urgentemente parar com esses espetáculos deprimentes. Foi um teatro de contradições, de invenções e de histórias mal contadas. Coisa de hospício mesmo. Não haveria lugar melhor para coisas assim. Já chamava a atenção a figura da doutora, de fala mansa, passando a ideia de que é conhecedora de tudo. Mas não é. Muito pelo contrário. As víboras de Brasília dizem que Nise pertence ao Ministério da Saúde paralelo, onde o presidente vai buscar suas decisões equivocadas em relação à pandemia, ignorando o ministério oficial. É difícil encarar coisas assim. O Brasil é um país que perde tempo com assuntos frívolos, tratados por pessoas que nem sabem onde estão.
Foi um suplício. A qualquer pergunta, a doutora respondia com uma palestra. Uma espécie de eminência não declarada do setor da saúde do governo, a doutora estava lá, às vezes sorridente, mas pôde sentir que as coisas neste país não estão fáceis. Defensora da cloroquina para tratamento da Covid-19, depois de ouvi-la chega-se à conclusão que a vacina é uma bobagem. Vacinar para quê? Não precisa de vacina para ninguém. O tratamento precoce resolve tudo. Foi mesmo um triste espetáculo, mesmo porque a cada dia as coisas se complicam mais neste país. Nise, com ar de sabedoria, postou-se ali na sua cadeira à mesa diretora da CPI e só falou coisas questionáveis. Alguém fazia uma pergunta e ela respondia algo que nada tinha a ver com o assunto. Então, explicava que estava fazendo uma introdução. No final, ficou a impressão que não sabia de nada. Nem sabia que, às vezes, se encontra com o presidente Bolsonaro. Foram tantas as contradições que é pouco sentir vergonha de um depoimento constrangedor.
Essa loucura chegou a um ponto em que, a certa altura, o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD), interrompeu a doutora Nise, tomou a palavra e disse textualmente: “Não acreditem nela! A vacina salva!”. Deplorável. E mais deplorável é saber que o Brasil está nas mãos de gente assim. Nise Yamaguchi afirmou que não foi vacinada porque não pode, por ter uma doença autoimune. É uma avacalhação. A Sociedade Brasileira de Reumatologia já esclareceu que pacientes com doenças autoimunes reumatológicas – que é o caso da doutora – fazem parte do grupo prioritário para vacinação contra a Covid-19. É o que afirma, também, a Sociedade Brasileira de Imunização. Quer dizer, Nise não toma a vacina porque não acredita na vacina, o que, aliás, é um direito que ela tem. Mas ela não tem o direito de passar essa ideia para a população de um país que conta com mais de 465 mil mortes pela doença. Isso ela não pode fazer. Não pode mesmo. Seja ela quem for.
Momento difícil nesse espetáculo lastimável de ontem foi o que discorreu sobre a tentativa de se alterar a bula da cloroquina numa reunião do ministério paralelo. A doutora Nise assegurou que nunca discutiu esse assunto com ninguém. Mas também não é assim, conforme dizem muitos dos que estão sempre grudados no presidente, interessados nesse assunto. É tanto absurdo que ela se reuniu com Bolsonaro várias vezes e não se recordava. Não sabia, não lembrava, não explicava, não respondia. Mas a par disso, defendia com galhardia o uso da cloroquina, para ela um medicamento eficaz contra a Covid-19. E nessa defesa, citava um estudo da Henry Ford Foundation. E disse que, só por esse motivo, a cloroquina tem eficiência comprovada. Ocorre, no entanto, que o estudo observa que o uso de cloroquina pode ter causado a morte de muita gente que confiou no remédio. Mas isso a doutora não falou. A própria pesquisa indicou que o medicamento precisa ser melhor estudado porque não é confiável.
A sessão da CPI nesta terça-feira, 1, foi uma tortura. De repente surge alguém de algum lugar e começa a ditar regras como um filósofo da Medicina, apontando erro em tudo. A maior preocupação da doutora Nise Yamaguchi na CPI pareceu ser negar a vacina. Mostrou-se desinformada e, às vezes, insolente. De alguma maneira, revelou ao país como o governo trata a saúde. A população brasileira está cansada de conversa. A população quer se vacinar, mas não existe vacina. E não existe exatamente por causa dessa conversa que não leva a lugar nenhum, a conversa de gente que nega tudo, até as mais completas evidências que dizem respeito à doença. Gente que nunca acreditou em nada e não acredita sequer na pandemia. São incapazes de enxergar um palmo diante do nariz, mesmo com 465 mil mortes vítimas do vírus e do descaso.
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