Democracia corre perigo com projeto de lei de ‘mobilização nacional’, é preciso ter cuidado
Deputado servil Major Vitor Hugo fez longa explanação para justificar seu projeto aos parlamentares, como se o Brasil fosse um país de idiotas
Na minha vida de jornalista profissional, confesso que nunca vi coisa igual. Realmente as coisas mudaram. Os golpes, por exemplo, são mais sofisticados. Chega a parecer iniciativas civilizadas. Cada vez mais, embora algumas tentativas cheguem à indecência. Mas tudo dentro da lei. Será sempre preciso atentar para este detalhe. Tudo dentro da lei. Tudo certinho. Nunca vi um projeto de lei ser apresentado à Câmara dos Deputados com a proposta de um golpe. Seria um golpe feito, digamos, por vias legais, assim como fez o truculento Hugo Chávez, na Venezuela. É usar a democracia para destruir a democracia. O Brasil está se aprimorando nesse descaramento. É um escárnio. Por isso, é preciso voltar a esse assunto porque penso ter sido a primeira vez que aconteceu, mas não será a última. O líder do PSL na Câmara, deputado servil Major Vitor Hugo, com uma cara de beato, defendeu em reunião com líderes partidários a votação de um projeto de lei que dava ao presidente Bolsonaro poderes absolutos durante a pandemia, com o apoio de setores do PSL, PL, PP, PSD, MDB, PSDB, Republicanos, DEM, PROS, PTB, Podemos, PSC, Avante e Patriota. É muito partido. Será mesmo isso? Pelo menos foi o que ele informou.
Pelo projeto de lei, o presidente poderia, por exemplo, acionar a chamada “mobilização nacional”. O deputado Vitor Hugo chegou a fazer uma longa explanação para justificar seu projeto aos parlamentares, com considerações, como se o Brasil fosse um país de idiotas. Convém dizer que a “mobilização nacional” é prevista na Constituição, mas só diante de uma agressão estrangeira. O deputado Vitor Hugo, com um cinismo assustador, disse que a “mobilização nacional” poderia ser utilizada no caso de combate à Covid-19. E bateu nessa tecla incessantemente, mesmo diante do mal-estar que causava aos que o ouviam. Pelo projeto, o presidente poderia tomar medidas excepcionais, como a intervenção nos fatores de produção públicos e privados, requisição e ocupação de bens e serviços, a convocação de civis e militares para ações determinadas pelo governo federal. E mais: o presidente da República poderia determinar o espaço geográfico do território nacional em que as medidas contra a Covid-19 seriam aplicadas. Diante dessa indecência, os deputados contrários ao projeto de Vitor Hugo classificaram o texto como tentativa de golpe. Por exemplo: o deputado Fábio Trad (PSD) observou que o mecanismo da “mobilização nacional” não foi criado para tratar da crise sanitária, mas só para o caso de uma guerra.
Pelo projeto, os governadores e prefeitos seriam excluídos do combate à pandemia. Mas Vitor Hugo insistiu na sua lenga-lenga, dizendo que não se trata de nenhuma tentativa de aviltar contra as liberdades individuais garantidas pela Constituição. Observou que o projeto cria um instrumento jurídico que antecede a necessidade de decretação de estado de defesa, estado de sítio ou intervenção federal. É muita desfaçatez. A sociedade precisa estar atenta a essas iniciativas porque o objetivo é um só: o golpe, pura e simplesmente. O deputado Alexandre Padilha, do PT, disse que propostas assim devem ser barradas imediatamente em nome da democracia que ainda rege este país. Assinalou que Bolsonaro diz “não” para toda forma de enfrentar a pandemia, inclusive a vacinação, e não satisfeito com isso, quer agora prejudicar a boa atuação de governadores e prefeitos que não negam a ciência. Seja como for, o servil Vitor Hugo não desistiu, garantindo que voltará ao assunto em outra ocasião para discutir sua proposta, jurando que não se trata de um golpe. Ele quer que o projeto seja votado diretamente no plenário da Câmara, sem passar por nenhuma comissão. Mas para que isso aconteça, há necessidade de se aprovar um requerimento de urgência.
É preciso tomar cuidado com essa excrecência que conta com o apoio de muitos deputados. Pode-se dizer, sim, que a democracia brasileira corre perigo. Basta ver os pronunciamentos veementes que são feitos todos os dias por uma gente que não admite vozes discordantes ao governo. Tudo tem de ser como o governo deseja e o governo tem sempre razão em tudo que pensa fazer. Esse projeto de lei do deputado Vitor Hugo representa uma afronta, uma ameaça para o Estado democrático. A sociedade tem de estar atenta. Já estamos afundados na pandemia pelo descaso que sempre mereceu do governo, incluindo aí as mais de 320 mil mortes. Não é demais dizer, nem é loucura: o golpe está aí armado. Só falta a oportunidade para ser perpetrado. Pode até não acontecer nada tempo nenhum, o que se espera. Mas o golpe está no ar, sim. Falta apenas apertar o botão.
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