Irresponsáveis não estão nem aí com a agonia dos médicos, só querem saber de festinhas

Com sistema de saúde à beira de um colapso, não há número suficiente de profissionais para atender aos doentes, mas nem isso faz com que alguns desistam de aglomerações

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 07/04/2021 13h01
Raylanderson Frota/Ishoot/Estadão Conteúdo - 05/03/2021 Cinco profissionais de saúde tratam paciente internado em unidade de hospital no Acre Colapso do sistema de saúde tem sobrecarregado os médicos em todo o país

Os graves problemas que o Brasil enfrenta na pandemia não estão somente na falta de vacinas ou no descaso do governo, inclusive em relação ao número de mortos pela Covid-19. Nesta-terça feira, 6, foram 4.195 óbitos, cerca de três por minuto. Essa verdadeira tragédia que atingiu o Brasil se depara agora com a exaustão dos profissionais da saúde, muitos sem condições de trabalho diante de um cenário cada vez mais assustador. Esses profissionais lamentam, principalmente, as aglomerações que se repetem em todo lugar, especialmente com festas clandestinas promovidas por irresponsáveis que deviam ser presos. Mas eles não são presos, infelizmente. Ao contrário, riem. Riem das autoridades sanitárias e da sociedade em geral, que tem medo e acata as orientações necessárias para não se infectar. Mas eles riem. E riem porque este é um país em que o próprio governo prega esse comportamento, decididamente contra o distanciamento social, contra o uso da máscara e até contra a própria vacinação. É um deboche que soma mais de 337 mil mortos. Não se pode negar: a falta de profissionais qualificados e em número adequado é um dos motivos para explicar o grande número de pacientes que morrem nas UTIs em todo o país.

Chegamos a isto: dos pacientes intubados, 83,5%  morrem, de acordo com dados do Ministério da Saúde, compilados por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Não há número suficiente de profissionais para atender aos doentes. Assim, os hospitais não conseguem repor ninguém no lugar de quem adoece, de quem se afasta e até aqueles que começam a pedir demissão, o que sobrecarrega os que ficam. A carência de médicos e enfermeiros impede a criação de novos leitos de UTI. O retrato é este, em números redondos: no Rio de Janeiro, há vagas para 570 médicos e 1.200 enfermeiros, além de técnicos e auxiliares. Em São Paulo, o governo tenta compensar a falta de médicos chamando voluntários. No início deste mês de abril, o Hospital Sarah Kubitschek, de Belo Horizonte, precisou bloquear dez leitos por falta de médico. Esse é o retrato amargo que temos pela frente, no nosso espelho. É um horror. Quando surge um leito, há, em média, mais 300 pessoas doentes que estão à espera. O médico escolhe um paciente e sabe que sobram outros 299, muitos dos quais vão morrer em algumas horas. Essas questões estão criando um clima de impotência, prostrando o médico, que acaba entrando em colapso ele mesmo. Muitos médicos e enfermeiros dizem que eles lutam, mas as pessoas não estão nem aí. Uma queixa sobre o que vem acontecendo, com aglomerações em todo lugar.

A convivência diária com filas para vagas nas UTIs, superlotação e o risco de um colapso total no sistema de saúde criam um profundo estado de insegurança nos pacientes e nos próprios médicos, que muitas vezes adoecem, sendo que muitos acabam infectados pelo coronavírus e têm que se afastar. Os números aumentam a cada contagem, mas sabe-se que mais de 1.200 profissionais de saúde brasileiros já morreram por Covid-19, especialmente aqueles que trabalhavam na linha de frente de combate, em contato direto com o doente. A média de mortes desses profissionais é de três por dia, desde o primeiro registro de óbito, ocorrido em 12 de março de 2021. Mário Scheffer, professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, afirma que a morte desses profissionais ocorre de maneira ininterrupta ao longo de toda a pandemia.

Autor do estudo “Vacinação prioritária contra a Covid-19 para trabalhadores da Saúde no Brasil”, Scheffer observa que o fluxo de atendimento é permanente e a linha de frente nunca foi desativada, porque esses profissionais estão sempre a postos dia e noite tentando salvar vidas. O Brasil e os Estados Unidos tiveram a população mais atingida pela doença e os médicos estão inseridos nesse contexto. Convém dizer que pelo menos cerca de 19 mil profissionais da saúde morreram por Covid-19 no mundo no ano passado, de acordo com relatório da Anistia Internacional, que apela por uma vacinação urgente desses profissionais. Segundo o Ministério da Saúde, a cada 19 horas morre um profissional da saúde no Brasil. E diante de um quadro assim, ainda há aqueles que zombam da doença, como se ela não existisse. Esses que promovem festas de maneira irresponsável, fazendo com que o vírus circule com mais facilidade. Um comportamento deplorável mas que, infelizmente e de alguma maneira, segue a pregação de autoridades que não conhecem o sentimento de humanidade.

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