Não há vírus capaz de mudar nada, e o mundo será o que sempre foi
O ‘novo normal’ é isso que aí está, com histórias que estamos cansados de saber, cheias de brutalidade, como fatos políticos vergonhosos e botijões de gás arremessados
Sou um dos que acreditam que depois do vírus chinês o mundo nunca mais será o mesmo. Nem as pessoas. O vírus está fazendo muita coisa mudar. O olhar passa a ser outro. Nada mais será como antes. Virá algo que passou-se a chamar de o “novo normal”. Será assim mesmo? Tenho algumas dúvidas, mas acredito mesmo que muita coisa vai mudar. Ou vai ter que mudar. O vírus mostrou às pessoas aquilo que se negavam a ver. Na verdade, vivemos um mundo de todas brutalidades. Acontecem coisas que é difícil acreditar. Mas acontecem toda hora. As pessoas vivem uma violência cada vez maior que envolve a todos. Os fatos políticos, por exemplo, tantas vezes, são vergonhosos. Muitos que surgem como salvadores da pátria, dos rumos e dos destinos traem a própria vida e mergulham em oceanos de tantos náufragos.
A questão política é mais grave, porque convivemos com as mesmas caras há décadas. Gente sem escrúpulo que se aproveita dos cargos que ocupa em benefício da própria vida. Falar nesse assunto é até redundância. Há exemplos infindáveis sobre essa questão. Nem convém discorrer sobre isso sob o risco de entristecer-se mais diante de tantos enfrentamentos. Fora isso, o comportamento de muitos transformou-se num meio de vida que não mede as consequências do mal feito em relação ao outro. E os crimes diários? E as mulheres assassinadas por companheiros que julgam a mulher como de sua propriedade? E as crianças perdidas no fim da rua sem saída? E os animais aviltados sem defesa por gente maldosa? O que será o “novo normal” em coisas assim?
Sei ser impossível ter-se um mundo – e me refiro a nós – só feito de generosidades. O mar de rosas é coisa do passado. É impossível. Muitos anjos foram expulsos do céu. O que se diz até com veemência é que o “novo normal” está próximo e tudo será diferente. Nas artes, na poesia, nos personagens que costuram o cotidiano, nas telas dos cinemas, no amor e até mesmo na própria angústia. Penso que o “novo normal” já está entre nós que nos desesperamos tanto. Os tempos são amargos. Leio as notícias vagarosamente. O que encontro de novo? Detenho-me num único acontecimento que me revela este universo de desencantos. Um único fato. No Rio de Janeiro, um homem raivoso, ao brigar com a mulher em seu apartamento, jogou um botijão de gás pela janela, matando uma pessoa na calçada. Leio, imagino as cenas e me entristeço. Pior é saber que esse homem violento logo estará livre e fazendo ameaça a outras pessoas, outras mulheres.
Acredito, sim, que o mundo nunca mais será o mesmo. Mas, no fundo, bem lá no fundo de mim, eu acho que o mundo será o que era, o que sempre foi. Não há vírus capaz de mudar nada. Melhor dizendo: mudará a vida e a compreensão da própria vida em muita gente. Mas o “novo normal” é isso que aí está. E dessas histórias estamos cansados de saber.
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