Ninguém sabe ao certo qual é a posição do Brasil no conflito entre Rússia e Ucrânia
Chanceler Carlos Franca diz uma coisa; o ministro da Defesa, Braga Netto, diz outra; o vice-presidente Hamilton Mourão tem uma terceira opinião; e o presidente Bolsonaro, dono do Brasil, diz o que bem entende
Todo mundo sabe, mas todo mundo mesmo, que o Brasil votou na ONU a favor da resolução que condenava a Rússia pelo ultraje da invasão à Ucrânia. Só votaram a favor de Putin 5 países: a própria Rússia e as “monumentais” potências internacionais: Belarus, Eritreia, Coreia do Norte e Síria. Seria essa a palavra “oficial” do Brasil contra a covardia de Putin. Seria, mas não é. O Brasil tem a voz do Itamaraty e a voz do presidente Jair Bolsonaro. Em tudo que diz sobre a invasão e destruição da Ucrânia, Bolsonaro deixa subtendida sua simpatia por Putin, o que, aos olhos do mundo, representa algo incompreensível e vergonhoso, também.
Não está fácil levar adiante esse discurso do presidente Jair Bolsonaro sobre a invasão. Tudo que Bolsonaro diz a respeito tem nas entrelinhas a defesa do tirano russo. Só não diz isso claramente porque deixaria este país chamado Brasil em situação constrangedora. Mas o Brasil vive no mundo uma situação constrangedora. Itamaraty para quê? Embaixador brasileiro na ONu para quê? O que vale mesmo é a palavra de Bolsonaro. E ponto final. Sendo assim, o desencontro de informações tem criado vários problemas entre os membros do governo. A diplomacia brasileira não sabe que caminho tomar. O Itamaraty diz uma coisa e o presidente da República diz outra. É uma várzea. É tanto problema de informação sobre o assunto que auxiliares do Itamaraty estão esclarecendo os embaixadores estrangeiros e autoridades de outros países que, em momentos assim, o que vale é a palavra do Ministério das Relações Exteriores e não o discurso do presidente.
Alguns tentam sair pela tangente diante dessa palavra que nunca esclarece a verdadeira posição do Brasil. O chanceler Carlos França, por exemplo, assegura que a posição não é de neutralidade, mas de equilíbrio. Até o ministro da Economia, Paulo Guedes, entrou nessa história sórdida. Faz alguns dias, em Nova York, os jornalistas perguntara a Guedes qual é, afinal, a posição do Brasil, O ministro se limitou a dizer que o Brasil votou duas vezes no Conselho de Segurança da ONU pela condenação da Rússia. Paulo Guedes ainda quis remendar a situação e afirmou que ele, pessoalmente, endossa a decisão do Itamaraty, no entanto, Bolsonaro nem sempre emprega as palavras precisas.
Desaprovando a posição do Itamaraty, Bolsonaro continua dizendo que o Brasil é neutro. Afirma que o ideal é não tomar partido, demonstrando preocupação com o preço dos fertilizantes, produto que tem a Rússia entre os principais fornecedores para o agronegócio brasileiro. Quer dizer: em relação ao Brasil, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia se resume numa questão ligada aos fertilizantes. A Rússia pode matar e destruir à vontade, ferindo todos os direitos da Ucrânia. Pode ignorar a soberania de um país, mas o que vale, na avaliação brasileira, é o fertilizante. Dá vergonha. Dá muita vergonha.
Antes de viajar para a Rússia, ao encontro com Putin, Bolsonaro foi orientado pelo Itamaraty a não falar nada sobre a Ucrânia, a não ser que Putin provocasse. Nada adiantou. Bolsonaro entrou no grande salão onde conversou com Putin dizendo que o Brasil oferecia sua “solidariedade”. Que solidariedade, cara pálida? Diante desse cenário estúpido, o mundo pergunta: afinal, o que vale, a posição do Brasil no Conselho de Segurança da ONU, condenando a Rússia, ou o que diz o presidente do Brasil? O que vale? Para os líderes internacionais, o Brasil dá dois sinais: de um lado, condena a invasão e, de outro, faz declarações de amor a Putin. Diante disso, a imagem do Brasil não passa de uma mancha. Um país sem reputação. O Itamaraty faz o que pode para contornar o que diz o presidente, até mesmo para evitar um desastre diplomático. Ninguém sabe qual é a posição do Brasil. O chanceler Carlos Franca diz uma coisa; o ministro da Defesa, Braga Netto, diz outra; o vice-presidente general Hamilton Mourão tem uma terceira opinião; e o presidente Bolsonaro, o dono do Brasil, diz o que bem entende. O Brasil não tem uma posição oficial. Os países sem escrúpulo são assim mesmo.
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