População brasileira cumpre dever cívico neste domingo; mas cadê a esperança?
Talvez o povo, obrigado a votar, leve consigo alguma expectativa, mas esse povo parece estar sempre enganado – ou, melhor dizendo, esse povo é sempre enganado por gente esperta
Véspera de eleição no Brasil. Tempo de expectativa. Mas que expectativa? Me pergunto sem saber o que responder. Que expectativa? Quem assistiu aos horários de propaganda política sabe bem que a expectativa é nula, descontando alguns nomes que se apresentam como candidatos, tendo por base o que vi em São Paulo e estendo isso para todo o país. Não poderá ser diferente. Em alguns casos, faz 40 anos que as pessoas são as mesmas, exatamente elas, no mesmo lugar, com a mesma conversa, as mesmas palavras que se perdem com o tempo. Mas, para alguns, esse tempo é sempre o mesmo. Não muda nunca. Algumas caras novas surgem vez por outra mas terminam engolidas por uma máquina que esmaga reputações e, muitas vezes, a própria vida traída pelas facilidades oferecidas por um país quase sempre sem rumos, que vive de intrigas e mazelas que, infelizmente, o povo esquece rapidamente.
O povo, na verdade, pensa apenas em viver o dia a dia. Pensa no almoço. Depois pensa num lanche que serve de jantar. E no outro dia começa tudo de novo, uma luta incessante, que não para nunca. É esse o povo que é obrigado a votar, cumprindo o seu “dever cívico”. É esse povo que sai de casa e vai até o local de votação. Talvez leve consigo alguma esperança. Qualquer esperança. Uma esperança qualquer em qualquer coisa. Mas esse povo parece estar sempre enganado. Melhor dizendo, esse povo é sempre enganado por gente esperta que uma vez a cada quatro anos se arrisca a comer um pastel ou uma coxinha numa padaria qualquer da periferia, onde estão as es crianças deslocadas da vida, à espera do futuro. Que futuro? Não há futuro. Há somente o momento. E nesse momento às vezes surge uma oportunidade qualquer para o bem ou para o mal. E o futuro está traçado.
Esse golpe nunca foi tão violento como ocorreu em 2003, com a eleição de Lula, em quem se depositou toda a esperança de um outro país. Para quem o conheceu de perto e participou ativamente da pregação de mais de 20 anos compreenderá melhor o que significa uma traição à própria vida. Uma traição a tudo que se pregou. Depois disso o melhor é esquecer mesmo. Deixar que a vida siga. Como no samba de Paulino da Viola dedicado à Portela: “Foi um rio que passou em minha vida e meu coração se deixou levar”. E o coração se deixou levar, no caso de samba, se deixou levar pelo azul que não era do céu nem era do mar. Mas era lindo. No caso das eleições, não. O coração se deixa levar porque cansou. E um coração cansado se deixar ir, como vai a grande parte dos eleitores brasileiros, caminhando com sapatos pesados os caminhos de uma redenção qualquer. Não vai com esperança nenhuma. A grande parte vai simplesmente porque tem de ir. Essa é a véspera de eleições na terra brasileira, em que muitos são chamados e poucos são escolhidos. Mais uma eleição. Mais uma. Mais um dia no calendário “cívico” do país, cumprido pela população, como se alguma coisa fosse mudar.
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