Quem zomba do coronavírus não é maricas, apenas não tem um pingo de respeito

Brasil já tem quase 180 mil mortos por Covid-19, mas o negócio é se aglomerar na rua, jogar a máscara no lixo e abusar o quanto puder

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 19/11/2020 12h04 - Atualizado em 19/11/2020 12h28
Saulo Angelo/Estadão Conteúdo - 4/7/2020 Bar lotado Bares lotados em meio à pandemia do coronavírus mostram que muita gente não liga para a Covid-19 ou para a vida alheia

A população está com medo. Pelo menos os que temem a Covid-19. O sentimento é de que vai começar tudo de novo, aquela mesma angústia que nem chegou a ser superada pelas pessoas porque, na verdade, o coronavírus nunca desapareceu. Ao Brasil, sempre faltou uma liderança capaz no combate ao vírus. Pelo contrário. Incentivou-se, sempre, simplesmente ignorar a doença e as medidas de enfrentamento baseadas na ciência. Infelizmente, foi tanta a irresponsabilidade que a ameaça está de volta com toda sua força, o que ocorre também em países europeus e nos Estados Unidos. No Brasil, São Paulo e Rio de Janeiro registram, atualmente, os maiores números de casos da doença. Nos últimos 15 dias, a Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica constatou um aumento de 30% no número de exames de detecção da Covid-19. Nesse mesmo período, registrou-se um acréscimo de 25% no volume de resultados positivos. As UTIs da cidade de São Paulo estão praticamente lotadas em grande número de hospitais, de acordo com informações de médicos e familiares de pacientes. Estamos novamente num ponto crítico. E a tendência é que o problema se agrave ainda mais.

Houve muito descaso em relação à doença. Tudo leva a crer que o vírus está solto novamente, livre, sem o combate necessário. O número de atingidos pelo coronavírus vem aumentando assustadoramente. A falta de leitos em hospitais brasileiros é uma realidade. Já se fala em trazer de volta os hospitais de campanha. Parece exagero? Não é. Isso já está acontecendo mesmo, junto com as grandes festas, praias, bares cheios de gente bebendo como se tudo estivesse normal. E a arrogância dos que dirigem este país cresceu ainda mais, politizando a questão de maneira descarada. Nada de isolamento social. Nada disso. Todo mundo tem que ir para a rua. Afinal, contamos com quase 180 mil mortos. Mas isso não significa nada. O negócio é sair para a rua, jogar a máscara no lixo, abusar o quanto puder, porque o vírus é uma mentira.

O Sul do país é a região mais atingida, onde ocorre atualmente a maior transmissão da doença, de acordo com informações do Info Tracker, do Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria, desenvolvida por professores da USP e da Unesp com base nos números das autoridades da Saúde. O Info Tracker monitora o avanço do vírus no Brasil. Nos três estados do Sul, a taxa média de transmissão chegou a 1,8 nesta quarta-feira, 18. Está bem acima da taxa do Brasil, que é de 1,15. A situação parece estar sem controle. A bem da verdade, isso já era esperado, diante do comportamento de grande parte da população. Um dos cientistas responsáveis pela plataforma, Wallace Casaca, diz o seguinte: “A região Sul preocupa porque a curva de aceleração de casos é ascendente. Desde o início de outubro, a taxa está acima de 1, que é o nível considerado de controle para a doença e significa que cada pessoa transmite o vírus para mais uma. Acima de 1, há descontrole na transmissão”. Outro indicador preocupante para a região é a internação do doente e o desfecho do caso – a alta do paciente ou óbito. Em média, cada doente permanece no hospital por 23 dias, quatro a mais do que a média do país. Por exemplo, a média na região Sudeste é de 18 dias.

Nesta quarta-feira, 18, o Ministério da Saúde, ao responder a um usuário, escreveu textualmente nas redes sociais que não há mais remédio para prevenir ou curar a Covid-19. O ministério acentuou que “as maiores ações” contra o vírus são o isolamento social e a adoção de cuidados pessoais. Não se sabe a razão, uma hora depois de postada, a mensagem foi retirada. Eis a mensagem apagada do Ministério da Saúde: “Olá! É importante lembrar que até o momento não existem vacina, alimento específico, substância ou remédio que previnam ou possam acabar com a Covid-19. A nossa maior ação contra o vírus é o isolamento social e a adesão de medidas de proteção individual”. Quem mandou apagar? Isso tem que ser respondido por alguém. Já o presidente Bolsonaro prefere ignorar tudo isso. Falar em segunda onda do vírus é “conversinha”. E ele manda acabar logo com essa “conversinha”. Diante disso, a base aliada do governo no Congresso está tomando a iniciativa de ela mesma tomar as providências diante da iminência de novo ataque do vírus. Vários parlamentares estão mantendo contatos com integrantes do Ministério da Saúde, incluindo o próprio ministro-general Eduardo Pazuello, que já contraiu a doença e enfrentou um tratamento difícil. Os parlamentares aliados também têm conversado com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), tentando garantir um planejamento, especialmente na compra das vacinas que estarão à disposição, o que representará outro inferno a ser vivido pelos brasileiros. Sabe-se que o ministro Pazuello está bastante sensível às necessidades de se adotar medidas de prevenção para evitar o agravamento de uma crise sanitária no Brasil.

Na noite desta quarta, 18, informava-se que, diante do que está ocorrendo, especialmente nos estados do Sul, mais São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso e Acre, o isolamento será inevitável. Em São Paulo, somente nestes 19 dias de novembro, os novos casos da Covid-19 aumentaram 29,5%  em relação a outubro. Isso significa mais de 15 mil casos diagnosticados. O governo paulista nega o aumento dos casos e de internações. E nega por qual motivo? Os médicos dos hospitais públicos e particulares de São Paulo afirmam que estão vendo hoje um aumento como nunca foi visto desde o início da pandemia. Tudo isso é reflexo de um comportamento estúpido e irresponsável. Festas, bares, aglomerações e todo tipo de desprezo à doença. Esses que zombam e debocham do vírus, esses, com certeza, não são maricas nem frouxos. São aqueles que não respeitam o outro. Respeitar o outro? Eu, de fato, devo ter enlouquecido. Falar em respeito num tempo assim é prova de insanidade.

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