Ricardo Barros deveria estudar mais para não pregar um golpe sem qualquer constrangimento
Discussão de alguns que insistem em uma nova Constituição começa a criar mais um foco de tensão e atritos já comuns à paisagem existencial do Brasil
Atualmente, para se dar um golpe no Brasil, não é mais necessário colocar tanques de guerra e soldados nas ruas, munidos de metralhadoras. Não. Nada disso. Um golpe hoje é muito mais simples. Basta que um deputado, por acaso líder do governo Bolsonaro, use a tribuna da Câmara e lance a ideia de uma nova Constituição para o país. Basta seguir nessa discussão e quem sabe chegar lá, na convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. Basta isso. Mudar a Constituição é consolidar um golpe. O deputado Ricardo Barros, do PP, usou a tribuna da Câmara para pedir um plebiscito visando a mudança da Constituição Federal de 1988. Repetiu o ex-presidente José Sarney, ao dizer que a Constituição de 1988 transforma o Brasil num país ingovernável. E que um dia isso teria de mudar. Parece que esse dia chegou, de acordo com a palavra veemente do deputado Ricardo Barros.
“Temos um sistema ingovernável, estamos há seis anos com um déficit fiscal primário. Gastamos mais que a arrecadação. O contribuinte não suporta mais do que 35% da carga tributária. O governo não tem condições de assegurar os direitos dos cidadãos conforme reza a Constituição.” Que discurso bonito! Ninguém sabe se o deputado falou em seu nome ou passou para o país um recado de alguém acima dele. De acordo com o parlamentar, a Constituição de 1988 só tem direitos e não tem deveres. Por isso defende a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte e quer um plebiscito, como fez o Chile. Alvo de investigação do Ministério Público Federal, o deputado reclama especialmente do que chama de “ativismo político judiciário”. O ministro do STF, Luis Roberto Barroso, afirma que mudar a Constituição é uma ideia infeliz. Explica que temos no Brasil uma democracia bastante sólida, que vive sob a Constituição de 1988 há 32 anos: “Tivemos momentos difíceis na vida brasileira. Alguns momentos reais, alguns momentos puramente retóricos, mas até hoje ninguém cogitou de uma solução que não fosse o respeito à legalidade constitucional. Temos instituições que têm resistido adequadamente aos vendavais constantes”, diz Barroso. Já o ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sérgio Moro observa que o que atrapalha o Brasil é a corrupção, não as leis: “O que dificultou a governabilidade do Brasil nos últimos anos foi a corrupção desenfreada e a irresponsabilidade fiscal, não a Constituição de 1988, nem a Justiça ou o Ministério Público”.
Por seu lado, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Ayres Brito, diz que um país se torna ingovernável quando dá as costas à sua Constituição. “Se bem entendida, bem interpretada e bem aplicada, a Constituição conduzirá o Brasil ao melhor dos destinos, um destino politicamente democrático, filosoficamente humanista e culturalmente civilizado”, afirma. Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, lembra bem que a Constituição de 1988 foi o marco do processo de redemocratização do país. Observa que para solucionar os problemas do Brasil é preciso a realização das reformas por meio de emendas, e não escrever uma nova Carta: “Vamos ficar no nosso foco. Senão, vamos transmitir insegurança para a sociedade”, afirma Rodrigo Maia, com toda razão, porque essa discussão de alguns que insistem nesse assunto começa a criar mais um foco de tensão e atritos já comuns à paisagem existencial do Brasil. Antes de tudo, gente como o deputado Ricardo Barros, líder do governo Bolsonaro, devia saber que o Chile é o Chile, e que o Brasil é o Brasil. Os dois países têm histórias diferentes. Esse deputado devia estudar mais e ler mais sobre a transição democrática brasileira, em vez de subir à tribuna da Câmara e – não nos enganemos – simplesmente pregar um golpe de Estado com a cara dura, sem qualquer constrangimento. O vice-presidente, general Hamilton Mourão, se apressou em dizer que o governo não tem nada com isso. Recorro, aqui, à palavra de outro ex-presidente do STF, Carlos Velloso, que resume toda a história. Diz ele: “Em síntese, essa proposta é golpe de Estado. Porque não se muda a Constituição ao saber a vontade das pessoas. A Constituição foi feita para durar”. Vamos ver até quando vai mais esse balão de ensaio brasileiro. Primeiro joga-se a ideia no ar para sentir a reação. Pois a reação foi péssima. Numa democracia, ideias fascistas não têm lugar. Golpe é coisa de gente totalitária. E de gente totalitária o Brasil já cansou. Chega.
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